terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Vozes de Aço - São Paulo

Poesia e Prosa Verão 2 - São Paulo

ÊXODO


Exilaram-me de minha pátria e de mim mesmo. Um parto e uma partida madrastas diante da angustiante vida que me assola em terra longínqua e desconhecida. Um frio interno e intenso: ausência do outro.
Sem direito a despedidas e enlaces, fui banido dos sentimentos e vivências complexas das pessoas que me cercavam. Ninguém impediu que eu fosse ou pediu que eu ficasse. Naturalmente engoli uma despedida forçada de quem nunca quis ir, só ficar...
Arremessado para um caos social ideologicamente organizado sinto falta de mim. Quem sou? ... Apesar de saber quem são os meus pais e ser tatuado com o símbolo do Brasil e gente brasileira, não consigo encontrar-me. Abraço desesperadamente as fotos de infância tentando através da passagem ali mostrada encontrar marcas e significâncias do que fui e um resto do que ainda sou. Leio e releio e-mails antigos na esperança de através da linguagem resgatar fragmentos do outro em mim, mergulho no trabalho desgastante e as lacunas da alma e do coração não são preenchidas, sempre falta algo e alguém. Estou condenado à eterna e incansável busca pelo saciar de mim em mim mesmo. É a crise e a crise.
Minha língua mãe e a outra mãe adormecidas em terras diferentes balbuciam:
_ Não, você não tem ninguém, você não é nada, você é nenhum..
Neste convívio especular de milhões de seres e máscaras instáveis brigo com a ilegalidade e a perseguição do estranho. Não sou eu, são os outros que são também parte de mim.
Respiro um medo lancinante: imagino o paradoxo de ser diversos band-aids que confusos tentam cicatrizar os estilhaços lançados pelas pátrias, família e amigos. Sou ainda, a saliva seca e brilhante num refluxo de distanciamento e aproximação: um vazio enorme...um hiato inominável... Recordo-me...
Diante de uma foto antiga e embaçada persigo reminiscências ausentes: a banda de música, amores, faculdade, amigos, parentes, pais... Doloridos cortes, graves feridas e bruscas rupturas...Reflito... Existo?!
A vida, madrasta má, mostra-me o quanto as sombras podem interferir, invadir e ferir intensamente o lado de dentro e por dentro de alguém. Uma ardência latejante consome o meu desejo de voltar a ensimesmar e enfrentar os outros, diferentes de mim. É o basta ao processo de avestruzamento. Refaço-me...
Sem despedida nenhuma, como sempre, choro por não ter sido e pelo ainda não ser. Sou apenas coisificação: vendo a guitarra e o baixo, compro a passagem de só-ida a preço insignificante. Só há saída para qualquer lócus da falta. Sou objeto do tempo, da festa rave e dos shows de nü metal. Sou pressão e depressão diante das violentas máscaras presentes nesta terra de gigantes, diferente e alheia ao que ou quem sou... Recomeço a caminhada, decido o percurso. É a tentativa de identificação. Rumino...

Antologia Cidade - Belem PA vol V

Temponossauro Rex


O sem cessar do tic tac condiciona a vida.
Não vivemos somos vividos.
O homem, escravo e senhor do tempo,
Não muda, só cronometra mudanças
Registra memórias e teme a fugacidade.

O tempo, transformador e construtor,
Cede lugar a vivências passageiras
Promove esquecimentos e traz experiências
É o nosso legado de oportunidades e escolhas
Nos movimentos díspares e singulares.

Na face de deus Chronos, devorador das coisas,
Torna-se implacável: destruidor, consumidor, controlador
O tempo novo engole, traga o tempo desgastado.
E a transitoriedade, medo e anseio humano,
Devora, rumina e digere o devir.

Mas esse divisor de momentos da eternidade
É também o provedor de possibilidades
O criador, o renovador e o ciclicador das coisas
Faz dos nossos erros oportunidades, aprendizagens
Consome tristezas e é o Guardião do Amor.

A essência do tempo não está nas horas gastas
E sim no prazer do momento, no congelar do relógio,
Pois velhice não degenera o homem, só regenera
Empresta um segmento de identidade
Já que não suportamos o peso da eternidade.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Medalha - Diploma de Mérito Internacional / Itália

Prémio Leterario Internacional Nova Sociale 2010
Sétima Ediçào Prémio Nocera Poesia - Seçào poesia estrangeira

Domingo 3 outubro 2010, ora 17,30 perto de Villa De Ruggiero. Via Nazionale, 164 - Nocera Superiore (Salerno) Italia, Cerimonia da Entrega do Prémios.

Ilma Valeria Victorino Valle, o presidente fundador, a Associaçào Nova Sociale e a jùri do premio, comunicaçào a vocé que a seu poesia "Flagelo" è resultada ganhar uma Medalha a recordaçào do evento com Diploma di Merito Internacional.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Apreciação Academia Poçoense de Letras / Bahia

A poetisa Valéria Victorino Valle presenteia-nos com alguns exemplares do seu belo livro POESIA: UM RECORTE TEMPORAL – que teve o patrocínio da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Goiânia, com a impressão da Editora Kelps.
Particularmente, tenho um vínculo lítero-afetivo com Anápolis – GO, terra natal da nossa querida professora-escritora. Nos idos de 1980, recebi o título de Membro da Academia Anapolina de Filosofia, Ciências e Letras. E esta aproximação valeu-me a idéia de fundar aqui em Vitória da Conquista a ACL – Academia Conquistense de Letras, cujos estatutos adaptei, inspirado nos estatutos da academia Anapolina.
Voltando ao livro de Valéria Victorino Valle, desde a capa até os detalhes de impressão e estética, o livro está impecável. O conteúdo é um primor do que melhor se faz neste país por uma plêiade de grandes escritores, em todas as vertentes literárias. E na Poesia (A Arte das Musas), pontifica o trabalho da poeta Valéria Victorino Valle.
Em Amor de Perdição, a autora revela: “Perdi-me na transitória poesia/Perdi-me na sombra imprevisível do verbo/Perdi-me no eco do desejo/Perdi-me calada, desnuda, vazia...” Em Herança Insana, ela assevera: ” Vivemos a mentira da justiça social” – e já no final, sentencia: “Deu certo o erro/Persistente companheiro dos poderosos/Escravidão insana...” No poema Tempo de Vida, Valéria canta loas à vida: “Quero viver um amanhã sem pressa/Pulsar a vida/Adormecer paixões/Curar feridas e angústias/Ensandecer a lucidez.” Em Morte: Flor do Tempo, a autora reflete sobre a morte: “Muitas flores são colhidas cedo demais/ Num piscar de olhos” e já na penúltima estrofe, destaca: “É a morte – anjo dos desconsolados -/Herança implacável da humanidade”. Em Adolescência, Valéria confessa: Vejo derretida a adolescência/Vivida sob inspeção/Sempre a sofrer um não/No meu picadeiro de confusão”... Em Hora da Fome, ela ataca a ferida social que sabota os brasileiros: Fome de que?/De justiça/De respeito/Fome de ética”... Em tempo de Amar, a autora afirma: “Não há dor intensa no amor ou no desamor/Há um pouco de fel e mel”... No poema O Caderno, nos versos de cada estrofe ela descreve Mundico, o seu caderno: “Meu nome é Mundico/Escrevem em Mim/ Rabiscam em mim/Erram e me apagam/Tenho ,linhas que sustentam a poesia” - e, ao final, sentencia: – “E muitos poetas moram em mim.” Em Silêncio, ela segreda: “Há tempos que o silêncio/Completa-me as medidas,/Amargamente.” No poema Solidariedade ela pensa a humanidade: “Há um vazio no peito humano/.... É o recado da frustração e do desgaste interior/Da sociedade embriagada e trôpega/Que reside, resiste e persiste/Na cidade das trevas e da cirrose coletiva.” Em Seca, a poetisa desculpa-se, humildemente: “Desculpe-me se,/Balbuciei e escancarei o meu discurso.” – para em Ardência de Poeta, alfinetar: “Quem se mete a poeta é louco, eu sei.../Mas que fazer quando não se tem rosto nem memória?” Na última estrofe, nos versos finais deste belo livro, a autora lança algumas perguntas que não querem calar: “Como ferir o ouvido de quem tem sabor de saber?/ Como ser caminho, caminhante errante e ridículo/E não marchar com os ventos da ética?”

A poetisa Valéria Victorino Valle é professora de língua portuguesa, natural de Anápolis - GO e é nossa confreira da Apolo - Academia Poçoense de Letras e Artes - www.apoloacademiadeletras.com.br
Tem vários livros publicados e escreve em vários sites de literatura.

Publicação em países de Língua Portuguesa

Apenas um gole, A viagem e Soluços do Corpo foram selecionados para publicação e distribuição em Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Tomé e Príncipe, Timor Leste. TRANSLUSITANA - Contos e Crônicas

Publicação na Feira de Guadalajara - México

O meu poema DIA DE ROÇA foi selecionado para a Feira Literária de Guadalajara no México (Projeto Pontes Culturais).

Publicação em Frankfurt - Alemanha

O meu poema RONCO DA ALMA foi selecionado para a Feira Literária em Frankfurt na Alemanha.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Aprovação em Concurso Internacional

Os poemas SECA e AMOR DE PERDIÇÃO foram classificados em 5 lugar no Concurso Internacional de Poesia AG e a crônica TEMPO INSANO em 6 lugar também no Concurso Internacional.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

TEMPO DE POLITICA - Memória dos Escritores de Anápolis

Num sempre tempo de crise econômica
E convulsões sociais
Entre as mãos de ninguém
Falta um lugar social e político
No território ‘‘glocal’’.
Contaminados pelo vírus financeiro
Vivemos a crise de humanidade
Numa mediocridade confortável
Uma crise que inspira, respira,
Transpira e aspira preocupação.
E na contenda dos incapazes, o colapso:
Encaramos como normalidade a paralisia da ética.
Não há os dentes de cordialidade:
Direitos e deveres para todos.
Só há o cofre de mistério e ministério
Só há o comodismo no marasmo do sempre igual
Prisão maior criada por nós mesmos.
É o porre financeiro
O consumismo irresponsável irracional
Severidade expressa na miséria maciça...
Traços de perversão e sordidez que animam
A violência demente da política predatória
E essa doença torna-se pandemia
Que acata e ataca o ser...
A sordidez e a morte cochilam em nós.
Emerge a crítica ácida
Grave grito na consciência cidadã
É o existente, o resto é falácia.
É o interceptar e o esmagar da impotência
É a democratização de oportunidades
O aço expresso em verbo: honestizar.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

NOTA DE DESFALECIMENTO - I Coletânea Século XXI

O Povo eleito e o Povo que se elege
Anuncia o desfalecimento da Ética
Diante dos caprichos inesgotáveis de alguns governantes
Residentes na bolha do sentimento individualista,
Arraigada no ego e na competição para o Ter.
Uns políticos inescrupulosos, parte decadente, e
Digeridos pela ganância são peças defeituosas do sistema
Que quantificam promessas absurdas e irrealizáveis
Que concretizam verbas fantasmas e manjares deliberados
Vestidos de colarinhos encardidos e rançosos.

E nessa ditadura dita branda ,
Carcaça vazia e seca, e ainda mal cheirosa,
Não exigimos mudança, Somos a Mudança!
Na astúcia de um povo acordado e ascendente
Abrimos o esquife da justiça, do respeito e do diálogo.
Sacudimos a dormência da democracia
Despertamos da anestesia os Poderes eleitos
E descobrimos que os direitos de cidadania
Não são frutos só de utopia.
A ética recupera o fôlego, não merece desmaios
E não perece de morte induzida.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Lançamento de Livro

Lançamento do Livro "Memórias dos Escritores da ULA" dia 24/06 no Teatro Municipal de Anáolis. Celebração dos 10 Anos da União Literária Anapolina. Compareçam.

domingo, 13 de junho de 2010

Herança Insana (Um Punhado de Poesia - Europa/Portugal)

Ainda no terceiro milênio
Muitos sonegam o socorro
Nos cafezais plantados nos arranha-céus
Infestados de miseráveis
Tanta gente
Retorce a morte
Contorce a vida
Nas folhas ressequidas
E nas raízes profundas da Mãe África
Escravidão arraigada...

Vivemos a mentira da justiça social
Desintegrados e desencantados com meio
Vivemos a falta dos traços de humanidade
Agoniza a dignidade
Extermina o emprego
Eclode o subemprego
Emerge o fantasma do desemprego
Instala-se o complexo de vira-latas
Escravidão desumana...

E no fiapo da história
É o mendigar indignado
Desnudo da cintura para baixo
Que trafega e trafica o lamento:
Desejo do inteiro e é só caco
Fingindo de vivo
Morrendo em espírito
Morte que não mata e não morre
Sobra perversa da natureza
O grito transforma-se em balbucio
Deu certo o erro
Persistente companheiro dos poderosos
Escravidão insana...

ESCRITOS ( Contos Fantásticos)

Desprezou a nódoa do passado e seguiu o luar esverdeado a fim de distorcer para ajustar os alicerces da vida miserável. Acreditando ser construtor e arquiteto, propõe-se a enfrentar as frases escritas a lápis no cantinho das folhas antigas, bem guardadas dentro do armário de mogno na sala de leitura.
Entardecia. Contava as folhas a serem vencidas. Cinco. Não demonstrava nenhuma ansiedade, só determinação. Uma estranha segurança diante do móvel embaçado e há tantos anos esquecido. Parou diante dos papéis, tocou-os com a mão esquerda e num gesto enigmático suspirou profundamente. A poeira e o mofo emprestavam aspecto de abandono e mistério às folhas encardidas. Não desistiu e nem se intimidou. Limpou-as bem.
Agarrou o precioso tesouro e percorreu com os olhos marejados toda a sala. Com intimidade, absorveu as paredes e os outros móveis há tanto tempo desprezados. Empurrou as imagens da janela e da porta semicerradas. Prontificou-se a ler as antigas frases. Acariciou os cabelos grisalhos, secou as lágrimas dos olhos serenos e esfregou as mãos aquecendo os dedos e a alma.
Escurecia. Num gesto decidido pega a primeira página e busca as anotações segredadas. Não as encontra. Num pavor súbito, vasculha apressada, e depois lentamente, todos os papéis e constata: não há nada. Aperta as folhas entre os dedos, agora gélidos, e seus olhos encheram-se de decepção e arrependimento.
As sensações foram logo substituídas por uma outra mais intensa: o medo. Mal se refez da surpresa, quando ouviu uma voz familiar dizendo:
Mudei de lugar e de nome outra vez.
Não pode ser. Você de novo?
Sim. E afinal você veio. Estava à sua espera.
Pra quê?
Nada.
- Como nada? – Reclamou estarrecido com a resposta - Por que se preocupa em criar enigmas e disfarces para perseguir-me?
- Antes que faça outras perguntas, como é o seu hábito, já vou dizendo que sou único, não uso máscaras. E, além do mais, como poderia lhe perseguir, se você não se desgruda de mim? Você sempre surge em mim.
- Eu? Grudado em você? Está louco? Onde estão as minhas anotações? Devolva-as, imediatamente. – Gritou o infeliz.
Não posso. – Disse calmamente.
Pode sim, você não quer devolvê-las. – Berrou desesperado.
Atirou-se sobre o incômodo ser que parecia divertir-se com seu desespero. Nada encontrou. Ninguém. Não tinha corpo, mas estava lá. Alguém. Sem saber o que fazer, se recorda da janela e da porta entreabertas e tenta sair daquele lugar sufocante. Estão cerradas. Vidro, madeira, ferro e grades estreitíssimas e pontiagudas.
Amanhecia. Impotente e melancólico, ele olha através da janela e vê, bem próximas à vidraça, as suas folhas escritas sendo espalhadas lentamente pela brisa fresca da manhã.

TEMPONOSSAURO REX - Bienal Internacional de Minas Gerais - maio 2010

O sem cessar do tic tac condiciona a vida.
Não vivemos somos vividos.
O homem, escravo e senhor do tempo,
Não muda, só cronometra mudanças
Registra memórias e teme a fugacidade.

O tempo, transformador e construtor,
Cede lugar a vivências passageiras
Promove esquecimentos e traz experiências
É o nosso legado de oportunidades e escolhas
Nos movimentos díspares e singulares.

Na face de deus Chronos, devorador das coisas,
Torna-se implacável: destruidor, consumidor, controlador
O tempo novo engole, traga o tempo desgastado.
E a transitoriedade, medo e anseio humano,
Devora, rumina e digere o devir.

Mas esse divisor de momentos da eternidade
É também o provedor de possibilidades
O criador, o renovador e o ciclicador das coisas
Faz dos nossos erros oportunidades, aprendizagens
Consome tristezas e é o Guardião do Amor.

A essência do tempo não está nas horas gastas
E sim no prazer do momento, no congelar do relógio,
Pois velhice não degenera o homem, só regenera
Empresta um segmento de identidade
Já que não suportamos o peso da eternidade.

PRECISA-SE DE LOUCOS (Primeiro Lugar-Concurso Madio Editorial) junho 2010

No paradoxo da insânia e da razão
Chega de viver nas sombras da sanidade
Basta de esgueirar-se no anonimato
Agora é Ser o louco da vez
E não resistir a loucura que arrebata:
Precisa-se de Loucos

Pelado e sujo de sangue
Vejo a invencível contradição: lucidez e insanidade
Aparente decrepitude que não tem prevenção
Só tem impulsão sob a proteção da sensatez
E nessa combinação alquímica
O anormal intriga, implode em câmera lenta,
No único lugar em comum:
O hospício infindável do sem lugar, do nenhum lugar


Cabe aos loucos salvar os lúcidos
Privar do sanatório da normalidade
Loucura doentia que escraviza e esvazia
Julgar e esquecer que é julgado
Reprimir o vazio que gera a doença da alma
Encontrar sua definição de loucura já não basta
Enlouquecer o Outro é capturar a sanidade.

SÓ MEDO - Antologia Premiada Livre Escrita SP

Viver pela metade: Medo de ter medo.
É a ditadura psicológica, o nunca ser livre,
São situações intimidadoras, repressoras e traumáticas.
Nossa algema cerebral... Angústias...
Rastros do medo.

Agorafobia: Desfragmentação brutal do Ser,
Fantasma destruidor que reprime e excita,
Perigos reais e imaginários, vontades presas na mente,
Vulneráveis ao desconhecido nas inúmeras faces do existir...
Amarras do medo.

Voz silenciosa no cérebro, postura da vítima no castigo,
Provoca secamento da boca, inquietação cardíaca,
Desencadeia a treva do quanto e/ou do quarto.
O monstro do armário, a doida da rua,
O homem do saco, a mulher da vassoura,
O ladrão assassino,
O traficante sem piedade,
O colarinho branco,
Seres da insegurança e do terror,
Sinônimos do medo no estreito labirinto da vida.
O escuro preenche o todo: Medo e medo.
Overdose de medo.

O Senhor Medo constrói deuses, doma pessoas,
Dita o bélico na insegurança, realiza histórias,
Ensina a acovardar e impor, conhecer e julgar,
No paradoxo medocoragem coragemedo.
E assim permanece a sociedade regada por medo...
Medo e só medo.

FLAGELO (Antologia Poesia Contemporânea/14 poetas)

Na Ditadura do corpo
Há uma tropa esquelética a caminho
A fim de apagar partes de nós mesmos
É a troca do natural pelo superficial
É a troça dos irresponsáveis fascinados por monstruosidades

Impera o plastificar, o siliconizar dos seres humanos
Modelo de beleza impregnado fabricado com código de barra
Prevalece o discurso distorcido no imaginário da população
Bizarrices poderosas vencem o bom senso

E na implicância com o que ou quem Somos
Acham belo o feio, fanatismo da indústria,
São os olhos para fora e a cegueira para dentro
Exigem padrões de forma ideal (ou irreal)
É a intolerância ao incomum, às diferenças naturais

E no açougue das identidades (já não basta a mente)
Sofremos intervenções estéticas e de caráter doentio
Aceitamos a insanidade da vigilância e da artificialidade corporal
Agimos na inflexibilidade imposta pelos tops de beleza
Andrógenos vestidos de padrão flagelam-se...

E na patologia da descaracterização
Da desindividualização e da perda identitária
O espelho reflete e refrata a escravidão
Aniquila a ardência de ser livre.

SORRIR SÓ (Antologia Poesia Contemporânea 14 poetas )

Nos meus lábios um poema
Um sorriso de Sol
Numa reticência exigente e louca
Da gostosa fragrância da sua saliva
Sabores paradoxais
Meu corpo é teu por desejo
Não há como fugir dos seus enigmas
É o tencionar do amor e da posse
Artimanhas do sofrer
Arrepio lento e quente

No beijo épico
O amargo gosto do gostar
Num suave sorriso de resignação
Ao empreender a travessia
No amanhã incerto e vazio
O sobreviver a uma guerra de amor
Para apenas morrer de solidão
Para presentear o outro com a solidão
Solidão a dois
Sofrida Solidão Sentida
Cada ser com sua eterna solidão
Havia um sorriso solitário
No sorriso de ser sempre só.

SUSSURRO ( Antologia Poesia Contemporânea 14 poetas)

Somos náufragos agarrados à efêmera vida humana
Um sopro separa a infância e a velhice
Somos um punhado de barro a ser moldado
Árvores arqueadas, vidas envergadas
Na tentativa de viver como se a terra fosse céu
Pouco resiste a dissolução do tempo
Cheiro de eternidade
Dor para abrir a tolerância
Amor para lapidar o Ser

Na sensatez, a filha do silêncio,
Queremos sentir as fragrâncias do eterno
E no mistério da transcendência
Temos o frescor dos sedentos
Sonhamos os sonhos que a alma cultiva
Canções que as crianças embalam
Gratuidade da natureza nas flores
Amor com indefinível intensidade
Louvores e renúncias na alameda da vida

No tempo de inconsistência
Peso da carne, leveza do espírito
A vida já não teme a morte
É viajar para dentro de ser serenidade
Exercício de paciência e caridade
Há anos que não valem um dia
Viajei na mesma idade inúmeras vezes...
O silêncio do ar, o silêncio da morte
Um doce e gracioso sussurro de Deus.

RETORNO (Contos Além da Imaginação)

Há luminosidade demais nesse estranho lugar e eles ofuscam a minha concepção de universo. O chão está instável e oscila como as doloridas sensações do meu cérebro. Apesar do medo, preciso enxergar e apenas vejo a terra amarela e molhada, as rosas brancas murchas, a pá e as lágrimas quentes como meu hálito e soluços sufocados.
Há sol ardente nessa triste tarde e ele não seca a densa água que insiste em brotar na minha face fria. Essa umidade faz meus olhos rasos e fixos no momento de só-ida e sem-volta. Ai, como dói a dor do ir e não ver e vir jamais... Um doído intenso. Uma angústia latejante diante da resposta para as perguntas “Onde está você?” e “E eu?”
Sinto uma estranha surpresa ao perceber que existem pessoas a minha volta e elas também choram impotentes diante da pesada laje de cimento e as leves flores atiradas sobre ela.
As imagens agora se distorcem e circulam o meu corpo de maneira absurdamente rápida. As cores das roupas e das flores misturam-se e não sei exatamente identificar os objetos que me circundam, só sei que esse louco movimento traz frescor e alívio. Vejo você e você... Olhos perspicazes, irreverência constante, senso de justiça aguçado, semblante sereno e amabilidade constante. Posso sentir o seu corpo firme ao meu lado, as mãos macias , o beijo doce, o toque suave, o cheiro adocicado e os passos determinados.
Não há mais luz intensa, só há lucidez. Mergulhados um no outro caminhamos decididos por entre os estreitos jardins e pequenas casas vizinhas à sua. Conversamos sobre as bobagens, as instabilidades e os absurdos do nosso antigo mundo intangível : Vida e morte.
Límpida é a sua voz quando fala dos assuntos complexos dos seres humanos como o amor e o luto, efemeridade do sentimento e da vida. Você tranqüilamente diz:
_ Querida, são apenas faltas e ausências... Você já sabe.
Não há lágrimas nos meus olhos, só há a boca entreaberta que bebe as palavras doces e conhecidas. E antes mesmo que eu possa engoli-las, você se afasta deslizando suavemente pelos caminhos percorridos por nós dois. Olha em minha direção, sorri e acena um breve adeus.
Não há nitidez nas imagens e na minha débil mente, o redemoinho colorido volta e arrasta-me para o sol escaldante e para o burburinho das pessoas. O barulho de vozes confusas e dos gemidos cansados mostra a saída. Hesito em segui-los, pois preciso encontrar você. Avanço alguns passos e sinto a umidade nos sapatos. Retorno. É a terra amarela e molhada. Pá. Tijolos. Cimento... Ergo a pequena parede que impede momentaneamente o nosso encontro.
Não há o ar que respiro, mas há o seu sopro de vida em mim. Sigo seus laços e passos. Caminhemos... Caminhemos, pois ainda não atirei a minha rosa branca sobre a laje.

ERROS (BIENAL INTERNACIONAL DE MINAS GERAI S) MAIO DE 2010

Nas centenas de vozes e de vezes
Das guerras marcadas na alma
Sinto a mesma tristeza que paralisa
É a dura rotina de privações
Nos antigos apetrechos da angústia
O silêncio do mesmo preparo de amar.

Num tempo qualquer
Exumado de mim mesmo
Lembro-me dos beijos que mortificam
Assombro diante do encantamento
E apenas um beijo aguarda o desfecho
Na peregrinação dos sentimentos
Estoque inesgotável de fantasia.

No ser que repousa no Nada
Bóiam dores na passagem deixada no corpo
Maldita dor do amor e do desamor
No meu lugar cativo: Solidão
E sem nenhuma garantia do amanhã
Vivo a maquiar um não esquecer
Escondido na lascívia.

Com olhos emprestados pelos débeis
Alimento um amor fragmentado em tentos
Um amar de pouco tempero
Facilito o seu corpo e complico a minha alma
Pois nem tudo que é permitido é cumprido
E nem todos os erros são para aprender.

CIÚME Bienal Internacional de Minas Gerais - maio 2010

Na prisão das relações reside o demônio do ciúme
Monstro escondido em cada um de nós
Tormento incessante, atitude opressora do vigiar.
No meu medo disfarçado em amor
Vacilo entre aliviar ou alimentar o mal estar da dúvida.
Sinto que o meu amor cega e o meu ciúme vê coisas inexistentes
E no meio termo entre paixão e ódio desse padecer infernal
Ultrapasso a esfera da dúvida e da insegurança.
Esse assassino do amor emerge
Desgastante, dominador, corrosivo
Destrói a minha débil ordem e o meu frágil equilíbrio
E nessa irracionalidade
Consumido e ensandecido pelo ciúme
Sinto um delírio sufocante...
Desejo extirpar a perda do objeto amado
É o afiar do mesmo mecanismo de controle
É a dilaceração pela eterna posse
Minutos latejantes e insuportáveis.

PASSAGEM ROUBADA (Minirrevista Literária Contando e Poetizando/ Diálogos)

Vê...
Eis que no poema perdido descobri
Seu castelo num céu translúcido e ambivalente
Que esconde o noivo do Sol e a nuvem flutuante.
Pense...
Eis que no poema perdido percebi
Um coração dividido com asas de borboleta
Que corre, foge e se oculta na incerteza.
Sinta...
Eis que no poema perdido escrevi
Palavras clandestinas, desaparecidas e roubadas
Que calam, sorriem e ficam na instabilidade.
Espera...
Eis que no poema perdido despi
O seu porte e aspecto transfigurado
São lágrimas mornas num mar amoroso.
Crê...
Eis que no poema perdido libertei
O calabouço do beijo inacabado e confuso
São silêncios inquietantes e questionadores.
Recorde...
Eis que no poema perdido partilhei
As dolências da pedra colorida e do delicado lírio
São prelúdios de abertura e desejo.
Ouça...
Eis que no poema perdido pronunciei
Vozes, murmúrios e gemidos
São profundas ondas nas águas adormecidas.
Inflame...
Eis que no poema perdido nasci
Do lamento, do tormento e da partida
O Sol não levou, eu fui na sua permanência.
Desconstrua...
Eis que, no poema perdido desarticulei
O pensamento, a meditação e o ensaio
São lócus do sofrimento e da existência.
Banhe...
Eis que no poema perdido desapareci
E ainda permanece o fantasma do não
São ressonâncias e inconscientes.
Fecunde...
Eis que no poema perdido renasci
No entendimento, no encontro, no insólito
São as voltas breves para um retorno indeterminado.

LAÇOS (Contos de Amor e Desamor)

A viagem prossegue num ritmo incomum como sempre. Venho do interior de mim e vejo que a sua saída amarga torna-se evidente, apesar das nossas conversas, dos nossos olhares, dos nossos textos em comum e da minha súplica silenciosa... Você apenas sai e vai. Sem despedidas, sem laços.
Revejo ainda seu vulto magro, cabelos soltos e brilhantes, músculos bem delineados, olhos decididos e libertos. Ouço sua voz fresca e macia que pronuncia enigmaticamente:
- De alguma forma amo a quem já amei...
Na travessia do meu rio sem pontes, o seu amor não vacilou ao passar pelo canal estreito construído pelo meu desejo e desespero. No meu velho e invisível barco marcado de naufrágios, você desceu as escadas de ferro, alisou mais uma vez os meus poemas e disse-me:
Sei que sou o primeiro a mergulhar no seu rio...
Não consegui ouvir muito bem o restante da frase, um zumbido irritante apossou dos meus ouvidos. Apenas consegui balbuciar inseguramente:
- Ninguém vem até mim só para entretenimento e para exploração. A minha realidade é outra, já cuidei para que não ameacem e agridam o meu sorriso meio triste e o meu verso, ainda silencioso.
- É claro. Estou certo disso. - Disse-me sorrindo e retirando-se indiferentemente das minhas águas.
Durante a minha pequena viagem interna, isolada no meu lugar, temendo alguns ecos e encontros noturnos que já conhecera em outras viagens, decidi não conversar com ninguém. Nada queria ouvir, só queria sentir. E senti absurdamente a sua ausência.
Afobada e aborrecida, ainda quis culpar o acaso ou uma inspiração infeliz dizendo em voz alta:
- São pequenas memórias desvairadas que estreitam os meus vários lados... É só, e não estou só.
Exausta e absorta em meus pensamentos, imaginei que me adaptaria com relativa facilidade às novas situações da realidade sem a sua presença. Mero engano, transferi-me imediatamente para o seu mundo, não suportei a ausência de mim em mim mesma. Agarrei-me às fantasias que você costuma criar, e sem perceber, acabei impondo-as a mim. Agora tento reinventar o seu desejo, já aniquilei o meu. São sensações e circunstâncias recheadas de delírios, instabilidades e outras sombras sedutoras que entrelaçam os seus caminhos e estilhaçam os meus. E sofro, e dói...mas vivo.
Volto ao meu interior, ao meu antigo lugar. Entro e fico. Numa recusa pronta e ríspida, cegamente olho a paisagem através dos seus olhos e recordo o passado recente: a primeira e única pessoa a mergulhar nas minhas águas... Num gesto de defesa e fuga, reato os laços. Só vejo sonhos íntimos e selvagens, desvinculados da idéia de emancipação. É a viagem, é a via, é a única via...

ANJO ANUNCIADOR (Minirrevista Literária Contando e Poetizando/ Diálogos)

Escrevo a sangue
Para que você chore ou ria.
A sombra caiu sobre a floresta
E as fantasias de minha alma
Escutam o som da solidão.
Nesse momento dentro de mim
Há o deus e o demônio
O paradoxo do ser:
A reinvenção do kamikaze sem causa...
O prazer foge e o inferno se aproxima.
Perdi a coragem de ser e viver
No vazio da vida não ouço a voz da amplitude
Amarga é a língua que bebi
Torturante a dor gemida que senti...
E sinto...
É absurdo o pânico e o eu impotente:
Quem sou?...
O anjo sedutor de outrora é agora
O anjo de asas quebradas
Anunciador do sofrimento: a dor do que sou
Ou não sou no Outro.
Pavor de sobrevivente: Não sou...
No labirinto dos dias
Nunca mais a espera
Nunca mais a esperança...

MENINO POEMA (Folhetim ULA - Livro Retrato 4 X 4)

Gosto indizível de menino pensativo
Que vive só de viver
Que derrete a adolescência
E reinventa a velha voz
Nas novas maneiras de sentir
O estar e o pulsar dentro das letras.

Na incerteza da história
Feliz com a mentira
No mundo do esconde-esconde
Escala as tranças da literatura
Exala a fragrância do verbo
Areando os dentes da linguagem
Na lógica da contradição
No resgate da unidade perdida.

Num cheiro de terra molhada
Do sabor de chuva salgada
Ouve a goteira na lata
Abre mão do seu silêncio
Vozes inaudíveis
Na vontade de eclodir na frase bifurcada
Na loucura mansa pelo texto humano
Tão recheado de construções imaginárias
Com cheiros e sabores de signos.

É o desmanchar-se em leituras
É a alma de escrituras
É a língua descarnada e concisa
É a risada escancarada da poesia
Predadora do poema menino.

BEIJO ÁCIDO - Um Punhado de Poesias - Europa/Portugal)

Encolho-me num canto
E encantoado
A saudade permanece
Cúmplice na infelicidade e
Enfrento a difícil tristeza:

É a blindagem do medo
É o balaço do amar
É o beijo colhido tarde demais.

E no despedaçado do beijo
Aniquilador de momentos
Demolidor de fantasias
Sou o enervante compasso
Das dores absolutas:

É a fuga da sanidade
É a desistência da fantasia
É o beijo interrompido cedo demais.

Não há encontros, só desencontros
O nome da jóia beijada era
Cabelos amendoados
Torturador de dores e amores
A responder acidamente:

É o beijo proibido de beijar
É o beijo engolido por outros beijos
É o beijo a salivar na própria língua

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Minibiografia

Valéria Victorino Valle, 48 anos, 20/03/1962, casada, professora, membro da União Literária Anapolina, da Academia Anapolina de Letras, da Academia Poçoense de Letras, da Academia de Letras Humberto de Campos. Publicações: 6 Livros: A viagem/ 2004; Diálogos /2005; Retrato 4 X 4: A poesia saltitante /2009, Poesia: Um recorte temporal/2010, Memórias dos Escritores da ULA/2010, Um Punhado de Poesia/2010 - Portugal e 48 coletâneas no Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Pará, Goiás, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; Alemanha, Mexico, França e Cairo.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Solidariedade - "Panorama Literário Brasileiro: poesia"

SOLIDARIEDADE

Há um vazio no peito humano,
Um mundo de incompletude perigosa e trágica.
É o recado da frustração e do desgaste interior
Da sociedade embriagada e trôpega
Que reside, resiste e persiste
Na cidade das trevas e da cirrose coletiva.
É o trânsito e a moradia da Falta.
É o devaneio dos tontos, dos desnorteados, dos desestruturados.
Não há lucidez, só há enganos, perdas e desespero.
Na ilusão trágica e vampiresca do ser vivido por outros
Vivemos o abismo indescritível
Dos dramas e das amputações espirituais
Que vivem na próxima espera do porre comunitário.

Mas vislumbramos o dique perfurado das agressões sociais...
Há também um calor no peito humano
Em direção ao ser que sofre, geme e grita.
É a gesticulação da solidariedade humana
Que ainda vive e se compromete com o sonho
De cantar um cântico de esperança
De que é possível recuperar a dignidade perdida.
Solidariedade é força e protesto

Contra a alienação e o caos.
É o socorro, o amparo, o alívio e o ânimo.
É dizer sim a reconstrução, ao recomeço de uma nova história
É o não ao nada e o sim à paz
É o triunfo sobre a destruição e morte da vida.

Soluços do corpo - "Panorama Literário Brasileiro: contos"

Amanheci grávida. Uma felicidade clandestina, doce e obstinada, segue sem atropelos através da manhã de março. Recordo-me do dia anterior e sinto que, mais uma vez, você flutua no meu hálito quente. A imagem do menino vadio e sua voz de leite e mel promovem o meu delírio em lento vôo.
Estranha lucidez a minha... Meu coração é conhecedor de sua liberdade: seu coração não pode ter uma só dona, você é diversos e intensos amores. Mas o seu sopro de sedução invade as minhas veias descontroladamente e diante do seu encanto único e experiente, tombo em seus braços. Se você quer: fico, queimo a razão e a consciência.
Na brisa da lembrança, vislumbro as linhas do seu corpo, ouço o arfar do peito e seu olhar calmo convida para desejar o ritmo que você deseja. São momentos singulares e febris. O seu desejo é começo e tropeço, é fogo e armadilha, sua boca vermelha entreaberta é a grande cilada que laça, prende e sufoca. E na prisão dos seus abraços emerge a fome atroz da sexualidade, é o prazer que desejo e possuo.
Nessa noite de quem sonha amor travesso, na loucura dos primeiros e quentes momentos, você balbucia coisas sem nexo que se transformam em extasiantes ondas de calor. É uma urgência que encosta, desliza e alisa meu corpo entregue e cheio de espera. São emoções imprevisíveis de um sonho antes disperso agora enrijecido e latejante. Há reciprocidade nos olhos suplicantes de desejo e num incrível devaneio aceitei ser a eleita, a favorita. Havia orgulho e pudor em mim. Timidamente senti com intensidade você me cobrir com suas carícias lentas, com perícia suas mãos tateavam meu corpo como arma poderosa: liberdade, encanto e comando. Ainda ecoa forte em mim sua voz murmurando:
_ Vem...Liberte os versos e a poesia...
No descontrole que não busquei, sinto que caí na armadilha do imprevisível: estou impotente e à deriva. No meu corpo sensações indescritíveis e efeitos alucinantes. Seus dedos atrevidos buscam amor urgente e provocam suspiros e murmúrios. Sua boca abriga os meus seios com uma língua afinada e afiada. Não consigo libertar os versos e a poesia com a minha própria voz, assim uso gestos para que você os liberte. Sacio os meus lábios na pele de todo o seu corpo que espera por mim, e com beijos suaves e ardentes, arranco gemidos abafados em compassos ritmados e íntimos: marcas de paixão e explosão. Desfalecemos... transcendemos ... Os corpos entrelaçados se fundem, somos seiva e alívio, úmidos e afogados na belíssima luta de corpos nos lençóis revoltos. Somos dois de desejo, outrora sucumbidos, agora embebidos e embriagados nos soluços do corpo.

Oração do Natal - "(re)Leitura de Natal"

Pai Celestial... É meia-noite. Nesse Encontro Natalino quero
Relembrar as verdadeiras propostas e intenções dessa data tão festiva
Mergulhado no diálogo do silêncio, ouço as diversas vozes fraternas.
E na minha reflexão interior, aprendo a viver o Deus Vivo que nasce
E renasce constantemente na fé e no amor em Noites de Natal.

Bendito seja o Natal! É o derramar de bênçãos e o celebrar da vida com os olhos de Deus.

O renascer e o retornar ao Abraço Divino anunciado pelos anjos
Faz-me mergulhar no coração da caridade e da misericórdia
Dá-me forças para escancarar a porta para o amor de Deus
E sentir o olhar e o beijo do Senhor sobre todas as criaturas.

Bendito seja o Natal! É o derramar de bênçãos e o celebrar da vida com os olhos de Deus.

Somos criaturas perfeitas do Nosso Pai e carregamos diferentes cruzes
Entre a essência do amor e a gravidade do pecado que deprime os homens e denigre virtudes
Muitas aprendizagens: paz, perdão, arrependimento, oração, comunhão e partilha
Um Natal reconstrutor: Confraternização, celebração, revelação e renascimento.

Bendito seja o Natal! É o derramar de bênçãos e o celebrar da vida com os olhos de Deus.

Nessa pausa restauradora entoo e danço cânticos e louvores
Ao Deus criador da forte Palavra, Verbo que nos orienta
E assim, recebemos estímulo, bálsamo e sabedoria nas descobertas humanas
E juntos celebramos a verdadeira dádiva do Espírito Santo de Deus.

Bendito seja o Natal! É o derramar de bênçãos e o celebrar da vida com os olhos de Deus.

O Natal Feliz "Os mais belos textos de natal"

O Natal Feliz

O Natal da Esperança começa no presente.
Numa Noite Feliz, a Estrela Guia
Ilumina o tempo de confraternização
E reencontro com o Verbo Divino.

Os Reis Magos anunciam alegremente
A chegada da hora de vida espiritual:
Um nascimento cheio de Esperança
Um renascimento constante na Paz.

Nasceu agora e para sempre
Deus menino, Pequeno salvador,
Jesus nazareno, Filho de Deus Pai,
Deitado em palhas da Fé
Abraçado aos homens por Amor.

Anjos no Céu e na Terra de mãos dadas
Celebram: é Luz... Maria, Jesus!
A Estrela do Oriente ajuda os sinos a proclamar
O perdão e a união da Humanidade na Glória de Deus.

Coloco o meu sapatinho na janela
Faço um pedido e rezo uma prece de Natal
E desejo de presente e no presente a Fé nascida e
Renascida no Amor e na Paz entre os homens.
Feliz Natal!

Doce Prazer "1ª Antologia de Contos Premiados"

Como todos os seres humanos busco o fator essencial da existência: o prazer. O prazer de sentir, de viver, de vencer e de amar . E nessa eterna busca, a vitória a qualquer preço integra-se aos meus desejos mais íntimos. Sinto uma grandiosa preocupação em dominar as palavras para superar dores e males que afligem o outro; e também uma imensa inquietação no que diz respeito a superar limites do eu. Balbucio:
- Ainda não tenho a palavra...
O caminho integrador entre o eu e outro é pedregulho pontiagudo e o sabor da vitória é desconhecido. Apenas cultivo os pequenos grandes momentos simbólicos que me presenteiam com reflexões das experiências vividas: emoções e ações entre o sido, ser e sendo infinitamente. Afirmo:
- Ainda por fazer a palavra ...
O desejo de voz é intenso e é inconscientemente traçado por estranhos recalques e repleto de sombras. O poder da palavra é ilusoriamente conquistado passo a passo, mesclado de lágrimas de alegria e de sangue das feridas dilaceradas. E no lúdico da ilusão e da persistência, emerge mais vencidos do que vencedores. Admito:
- Ainda não é palavra...
Embalado no sutil jogo da força viva, da poderosa palavra. Assumo:
- Ainda é a palavra...
Como vencedor ao atingir a vitória almejada, traço novas metas, sentindo muitas saudades da inútil batalha outrora travada, pois já foi vivenciado por outros que lutar com palavras é a luta mais árdua e vã. Reafirmo:
- Ainda porvir a palavra ...
Como vencido, agora filtro o que houve de melhor na batalha perdida e aproveito a essência do velho e transformo na fórmula mágica do novo. Se não consigo criar... amalgamo.Constato:
- Ainda não sou palavra...
E vencido, reavivo e ressurjo das raízes, e (re) conheço o gosto de uma nova saudade e de uma próxima luta: dois prazeres indescritíveis. Rumino:
- Ainda a doce e inconquistável palavra...

Doido Linguístico - "Poemas dedicados"

DOIDO LINGÜÍSTICO



No balanço do pensar
É muito desconsertante
Rever o próprio discurso
Numa maltratada página
Que reflete e refrata o discurso do outro.


As palavras ecoam na minha cabeça
Como uma mãe grita a procura de seu filho
Explode a voz confidente
Do sol de fênix ardente
Do nômade da linguagem
É a escrita que namora e desnamora o pensamento
Criando vocábulos grávidos de gente.


É o usar disfarces para poetizar
É o eco: o verso não é meu, nem seu, nem de ninguém
É o gestar e o parir dos textos
Ponto indefinível entre semelhança e diferença
Busca do signo para encontrar ou nunca mais esquecer
E na escrita incorporar o humano e realizar o desejo:
Ser arquivada em forma de letra, imagem e papel.

Movimento dos Sonhos "Poesia de corpo e alma"

A amargura aperta o peito sem pedir licença
Preciso tirar férias de mim mesmo
Assumo compromisso com o sonho:
Rosa noturna onde perder-se é encontrar-se.

Somos movidos a sonhos e parados pelas sensações.

Minha carga interior pesada se despe
No travesseiro para abafar o grito ou choro
Diante da labuta existencial
São devaneios sociais na minha realidade frágil.

Somos movidos a sonhos e empurrados pelas decepções.

E esse devorador de mentes, saciador de amores e dores
Construtor e caçador de tristezas
Provedor e consumidor de esquecimentos
Sepulta a idéia imensa e intensa
Impregnada no mundo que descobre
Como é engraçado ter que viver uma vida sem graça.

Somos movidos a sonhos e acelerados pelas ilusões.

O sonho investe na aceleração absurda da vida
Catapulta o humano para um novo estágio
Cede lugar a vivências passageiras
Nos travesseiros que afofam os discursos:
Os opostos se distraem e os dispostos se atraem
Sem jamais perder o sonho na coisa do Nada.

Somos movidos a sonhos e vividos pelas razões

O Acaso "Retrato 4x4"

O Adão bíblico
O diferente homem
O imprevisto
Os olhos brilhantes
O meu descuido
Os cabelos encaracolados
A displicência
A nova maneira de sentir
O toque inebriante
O abraço denunciador
O afago do peito
As mãos falantes
A oportunidade
A lógica do paradoxo.

Os pés torneados
A doçura no sorriso enigmático
A fragrância em versos exalada
O viajar parado
O gosto insaciável da costela
A vontade de viver teimosamente
O predador de si mesmo
O destilar em versos
O pecado eterno

O diálogo perspicaz
O interesse desinteressado
A boca matemática e carnuda
As marcas e cortes no corpo
A maturidade derretida
O sentido das coisas
O bem querer
Os dentes desalinhados e brancos
A língua irresistível
O ser inexplicável.

A tentação
A sedução
O gosto
O cheiro
O desejo desejante
O indescritível.

Viagem : Livro de Ouro do Conto

Meus olhos insistem em olhar para o céu mesmo diante das nuvens escuras e o vento hostil. O ônibus balança no ritmo de um coração ofegante e cansado. As batidas descompassadas das janelas e da mente alucinada anunciam a destruição de uma esperança adormecida.
Na poltrona ao lado, um passageiro sem rosto me diz boa noite e sorri. Minha trêmula boca e gélido nariz banhados pelas lágrimas não lhe retribuem a gentileza. Apenas balbucio alguns soluços incompreensíveis. Ele demonstra naturalidade e fecha os olhos delicadamente.
Concentro-me na estrada e na minha angústia lancinante. Revivo desesperadamente as horas em que o sonho transbordou e iluminou todas as sensações de um ser que há tempos não refletia a respeito do viver e não se emocionava tanto com o pulsar do próprio corpo.
Surpreendentemente, o desconhecido ao meu lado pergunta-me se está tudo bem. Não consigo responder, faltam-me palavras e voz. Talvez ele tenha sentido o estremecer do meu corpo que geme e movimenta-se diferente quando embebido naquela sensação. Ele aparenta tranqüilidade e torna a fechar os olhos lentamente.
Tento esquecer o intrigante homem sentado bem próximo a mim e percebo alguns olhares curiosos a minha volta. Normalmente, eu tinha o sono leve e mesmo depois de dormido sobrevivia a cada minuto da realidade opressora sem questioná-la e muito menos transgredi-la. A ignorância, companheira inseparável, confortava minha ilusão acerca do meu isolamento, das minhas debilidades e sombras.
Agora, entre a sombra imprevisível do desejo e fragmentos da realidade, relembro com êxtase a conversa reveladora, a cumplicidade do sorriso, a aceitação do paradoxo, o reconhecimento do diferente e a abertura para o novo e imprevisível. Dizem que é transferência, carência, ausência...Creio que não é. Sinto que não é.
Fui despertada dos meus pensamentos pelo colega do ônibus que se redobrava em curiosidade para compreender meus gestos e rugas. Questionou-me sem medo de enfrentar meu semblante retorcido, alegando preocupação com a minha saúde.
_ Aconteceu alguma coisa? Você parece muito abatida, tem um olhar distante e cansado. Posso ajudá-la?
Nervosa, não quis vislumbrar sua expressão de espanto quando lhe pedi silêncio. Ele silencia e fecha os olhos calmamente.
Como ser da falta e alheio ao medo, mergulho no colapso da busca incessante de ter e ser o sonho : Alguém. O Ninguém se apresenta fincando a última estaca maliciosa para construir a grade para aprisionar meu débil desejo. Assisto, atônita, o inesperado: o seu silêncio e sua ausência de mim.
A presença do companheiro do ônibus foi notada quando suas mãos tocaram as minhas enigmaticamente. Tinha um cheiro doce e familiar, mas eu não tinha mais olhos, só umidades que embaçavam minha vontade de ver e viver.
Ele abriu-se em gentileza:
_ Gostaria que você voltasse, mas sei que está pregada ao degrau da vigilância da consciência. Se aí é melhor, fique... porém venha ao menos ler comigo o livro prometido, aquele que fala da amplitude.
Ele havia dito naquele momento, tudo o que eu gostaria de ter ouvido daquele misterioso alguém. Pedi ao desconhecido que não tocasse em mim. Ele atende ao meu pedido e torna a fechar os olhos dolorosamente.
A escuridão da noite e a chuva persistente contribuem para fortalecer a estilhaçada imagem construída numa frágil certeza. Estranho Alguém... o pânico não era relembrar os seus gestos de martelo ruidoso pela sala e seus passos percorrendo os espaços da minha alma. O insustentável era olhar nos seus olhos e decifrar o ir e vir do seu corpo. Assim percebi o cerrar da porta com a chave.
De repente, sua pequena distância emudeceu a minha respiração e a desintegração nervosa dos sonhos obrigou-me a juntar meus insignificantes objetos espalhados pelo local. Encabulada e tentando disfarçar meu desapontamento e impotência, levantei-me numa explosão seca e pedi para ir embora. Decisão imediatamente aceita por alguém que nervoso, matraqueava desculpas para tão inusitada situação. Desliguei-me momentaneamente dos seus gestos e agucei os ouvidos para o seu discurso. Hesitei entre verificar os seus argumentos ou juntar os doloridos cacos das minhas emoções. Preferi emendar os retalhos de mim mesma desfiados pela rampa da casa.
Minhas lembranças são interrompidas quando o ônibus freia bruscamente diante do declive acentuado. Sinto a estranha presença do passageiro ao lado. As luzes apagadas do veículo não permitem que eu veja o curioso e atrevido companheiro de viagem. Sinto apenas um leve perfume no ar. Permaneço quieta e pensativa até o meu ponto de descida. Suspiro forte e agarro minha pequena mala. Peço licença ao passageiro que não responde. Insisto em passar pela poltrona e percebo que não há ninguém. Confusa, caminho pelo corredor do ônibus em direção à saída. Olho ao meu redor e nada encontro. Vazio. O motorista abre e fecha rapidamente a porta para que eu enfrente a negra e chuvosa noite. Olho para trás e vejo apenas a porta, sem fechadura.

Adolescência: Livro de Ouro da Poesia

No escalar das tranças Rapunzel
Vejo derretida a adolescência
Vivida sob inspeção
Sempre a sofrer um não
No meu picadeiro de confusão

Na incerteza da história
Tento reinventar a infância
Procurar fora de mim
A vontade de viver perigosamente
A poesia na risada estridente
A fragrância do verso irreverente

Nessa investida cativante
Encontro amores de lacuna
Gente de saudade
Amigos de verdade
E um amigo cara metade

Roendo vem o tempo, sinal silencioso,
E bóiam saudades
Da infância - era uma vez
Das tranças - certa vez
Da cara metade - única vez

Fome de Poema "Antologia 55"

Nas diferentes maneiras de redigir
Sem penas
É apenas a pena
De desenhar o fio da saliva nas bocas do outro

Um fingir que consome
a fome do poema no poema
Ecos esquecidos e partidos
É o isso e/ou aquilo
Escorridos em linguagem
Umedecida e escorrida
Nas paredes embrutecidas da alma

Num incessante repetir e refazer
Uma conhecida dor de doer dolorida
Busco e preciso de um cânone
Como uma aranha que começa a tecelar
É o espiar, o repetir e o construir
Livrar-se de si e encher-se do outro

Poema meu poema nosso
Brotando como fonte de água
Das construções imaginárias
É a intangibilidade
É a lógica das contradições
Sem medo de invasão sinto
Um pulsar sem compreender
O verbo e o verso do escrever.

Solidariedade "Antologia 54"

SOLIDARIEDADE

Há um vazio no peito humano,
Um mundo de incompletude perigosa e trágica.
É o recado da frustração e do desgaste interior
Da sociedade embriagada e trôpega
Que reside, resiste e persiste
Na cidade das trevas e da cirrose coletiva.
É o trânsito e a moradia da Falta.
É o devaneio dos tontos, dos desnorteados, dos desestruturados.
Não há lucidez, só há enganos, perdas e desespero.
Na ilusão trágica e vampiresca do ser vivido por outros
Vivemos o abismo indescritível
Dos dramas e das amputações espirituais
Que vivem na próxima espera do porre comunitário.

Mas vislumbramos o dique perfurado das agressões sociais...
Há também um calor no peito humano
Em direção ao ser que sofre, geme e grita.
É a gesticulação da solidariedade humana
Que ainda vive e se compromete com o sonho
De cantar um cântico de esperança
De que é possível recuperar a dignidade perdida.
Solidariedade é força e protesto
Contra a alienação e o caos.
É o socorro, o amparo, o alívio e o ânimo.
É dizer sim a reconstrução, ao recomeço de uma nova história
É o não ao nada e o sim à paz
É o triunfo sobre a destruição e morte da vida.

Calmaria " Minha rua, minha gente"

CALMARIA

É cedo da noite em nosso antigo apartamento em Goiânia na Praça Cívica e ele naturalmente acabava de arrumar sua mala para a próxima viagem. Inevitável partida.
Olho pela minúscula janela e vejo as luzes da cidade e o grande movimento de carros nas avenidas. Um calor intenso e um cheiro de primaveras invadem o pouco ar que respiro em mais um dia de vácuo.
Mecanicamente pego seus óculos e limpo as lentes com muito cuidado. Precisam estar transparentes para que você veja bem as coisas à sua volta. Confiro seu perfume, seu creme de barbear, seu xampu, suas roupas íntimas delicadamente lavadas e perfumadas por minhas próprias mãos. Abraço com carinho as peças de roupas dobradas com perfeição e sinto o cheiro do mesmo homem. Sem nada pensar, fecho o zíper da mala. Nada pode faltar.
Como de costume recolho a toalha atirada sobre o sofá e as sandálias sobre o tapete da sala. Arrumo o lençol levemente amassado. Lavo a taça de vinho deixada sobre a mesinha de centro e ouço o barulho do elevador. É a mesma linguagem do silêncio.
Lentamente retorno à janela e observo a multidão que se desloca de um lado para outro das avenidas como formigas desencontradas do formigueiro. Questiono-me sobre quem seriam, aonde vão, o que pensam, o que sentem... E se eu fizesse parte desse formigueiro? Talvez pudesse sair do meu casulo de frustração interior.
Entre a dúvida e o talvez, me concentro no elevador. Apago as luzes, fecho a porta do apartamento e abro a rua. Lugar de fuga e enfrentamento dos dramas humanos.
Não sei se há pressa, pressão ou depressão nos meus trôpegos pés que mais uma vez circulam na avenida, misturados a outros pés que também vagueiam sem saber para aonde ir.
Minhas carnes parecem desconhecer o calor da cidade e de novo tremem muito diante do exercício de um olhar para os outros. O som das buzinas, o semáforo cinza (não gosto do vermelho), a iluminação e a decoração das lojas trazem-me uma breve distração enquanto caminho próximo ao meu apartamento.
Apesar da minha dificuldade existencial ainda consigo observar famílias simples que caminham pela calçada e crianças (como são lindas) que se lambuzam comendo churrasquinhos, sanduíches, bolos e milho verde assado. Do outro lado da rua, acompanho vendedores ambulantes que comemoram mais um dia de sobrevivência.
Há poesia no ir e vir das pessoas desconhecidas que transitam entre sorrisos e rugas deslizando vertiginosamente entre uma calçada e outra. Ouço uma risada estridente de uma mulher que passa conversando de forma distraída com uma outra que também sorri.
Durante um longo tempo, sentada no meio-fio da Avenida Goiás, observo atentamente a gente apressada para chegar em suas casas em busca do aconchego e refrigério de alguém que sempre as espera. Eu sempre espero e tenho a esperança de ser esperada também. Um dia...
Respiro profundamente aquele ar inebriante de idas e voltas da vida humana. Meu caminho, entrelaçado ao das pessoas, parece nesse momento ter sentido e finjo renascer, muda no meio da multidão.
Já é meia-noite. Releio a advertência de não romper com os limites. Elevo os olhos para o prédio: é o enlevo e o elevador que me aguardam. Resignada, retorno ao meu nomandismo forçado, ao meu não-lugar. Urdidura difícil de ser destroçada. Mas me sinto bem hoje por ter vivido uma metáfora da calmaria nas noites goianas.

Apenas um gole "Contos de outono"

APENAS UM GOLE

Mais um dia com o fogo dos velhos goles neste mundo de tragédias. Não há fagulha de luz, só há assaltos por desejos infelizes: tudo arde interiormente e a coragem está destruída. Uma vida vivida e consumida por uma viagem perigosa, recheada de trevas. Sou a alma de um ébrio atordoado que grita e geme. Sou a chaga aberta e cheia de cuspo que queima no frio do isolamento humano.
E, sozinho, não consigo articular na concretude humana, não percebo o sentido de ser, não pratico a amalgamação com o outro, não sinto penetração ou invasão, não vislumbro nem a liberdade nem o aprisionamento...Só há o fechamento das poucas alternativas, só há o esgotamento das raras possibilidades. Sou vago, informe, flácido...
Sou prisioneiro nessa cidade estreita, recheada de restos, destroços e combates. Faço sinais na praia dos zumbis a fim de ser percebido por esta desgraçada e omissa sociedade. Meu código de silêncio estratégico não afeta as muitas pessoas doentes e corruptas que residem nessa cidade. São profissionais da angústia e da miséria que investem na decomposição do ser e existir. Usam máscara e maquiagem nos discursos: é o cinismo institucional que constitui o álcool como uma droga socializada e politizada.
E nesse presídio social, mais um gole de idiotices: brindo atonitamente a um dia sem sol, uma criança sem sorriso, um velho sem saudade e uma vida sem esperança. É a lucidez do etílico que assiste a grande piada da justiça e a cultura da impunidade. Não há respeito às recomendações éticas, só às etílicas.
Não há palavras para falar, dissiparam-se todas. Só há bafo e pupila. É a sociedade que se cala, silencia diante desse câncer social. E assim, sem fala e sem voz, animalizo, embruteço, despersonalizo e bestializo-me. Sinto-me impotente para administrar essa tendência suicida e destrutiva: sou fonte seca e árida que desertificou-se completamente. Seduzido e escravizado pela loucura do álcool, vivo a agonia de ficar sem família, sem trabalho, sem ser alguém, sem dignidade. Balbucio:
- Um brinde ao Nada.
A minha tragédia, o mal do álcool, é também a tragédia da coletividade humana. Despejamos a todo instante, densas placas silenciosas de lágrimas que denotam a amputação dos projetos de vida e de sol em busca da plenitude e realização do homem. Esse vício corta como navalha as relações sociais e familiares, tem a capacidade de transformar o poder do abraço em poder do braço, a violência prevalece, estupra a liberdade e rouba a paz. Ele é capaz de mortificar o sentimento e sepultar qualquer relacionamento, edificando assim imensas fortalezas enormes que impedem o diálogo consigo mesmo e com o outro.
Não há percepção poética da vida e nem do outro. O álcool destrói a veia poética e os encontros com a vida são feitos em clima de tensão, discussão e agressão. As palavras e atitudes são duras, ásperas, venenosas: ossificam...coisificam... E angustiadamente murmuro:
- Estou morto!
É a morte da abertura, da disponibilidade, do partilhar, do compartilhar, da condição de ser e fazer na vida.É a caminhada inexorável para o caos social e a exclusão comunitária. E mesmo na dimensão da morte, ainda procuro ouvir ansiosamente uma voz que me convide para um posicionamento moral, uma vida sóbria, uma prática lúcida, um gesto sensato, um objetivo ético. Não ouço...Estou apoiado na muleta do álcool, preciso da bengala da bebida para encarar os conflitos pessoais, conjugais e sociais. E desesperadamente choro e grito:
- Estou sangrando, minhas cicatrizes estão abertas, sinto o gosto amargo do fracasso...Sinto-me asfixiado...desfaleço diante da crise...estou morto. Preciso ingerir mais alguns goles de ilusão.
É o corpo que engole todos os estágios da destruição e da morte prematura do ser: a tolerância da bebida, a dependência física, (in)consciência da necessidade com maior freqüência e quantidade, distúrbios psicológicos e emocionais, a subjetividade e o intelecto atingidos drasticamente. É o lamento compulsivo da sociedade alcoólatra que pluraliza a experiência destruidora do álcool: uma droga que tem uma imensa capacidade de conquistar e nunca se deixar conquistar.
A sociedade egoísta e hipócrita não quer ver a alma, o interior do alcoólatra. Ninguém tem tempo para ouvir um pouco do lamento e da angústia que sai do peito de um homem que está aprisionado neste pesadelo.Ninguém quer ouvir as queixas, os ais, as rixas, as feridas sem causa, os olhos vermelhos de um alguém encabrestado pela droga. Poucas pessoas compreendem a sensibilidade de um alcoólatra, um ser perceptivo às contradições e as esquisitices da história humana que se recusa a enxergar um mundo tão sem sonho e sem a magia da esperança.
No caminho para se perder o sentido do viver , esbarramos em cacos e restos espalhados pelos bares e festas da vida: a prostituição, a traição, a falsidade, a inexpressividade, a fuga, a transitoriedade, a futilidade, o cinismo, a mentira, a perversidade, a desgraça... Assim, a visão a respeito da vida desintegra-se e desarticula-se. É a despersonificação social dramática e irreversível. O ébrio torna-se uma ilha solitária que segue gemendo sua solidão nos bares, fazendo da boemia sua parceira na solidão e do copo o sócio de sua condição de miserável impotente e abandonado.
E nessa viagem sem volta, a única linguagem existente é aquela que gera a dor, o lamento, o sofrimento, a amputação, o drama e o desespero. Como companheiros inseparáveis dessa viagem temos a apatia, a negação da vida, o abortamento da realização, o corte na construção e a ruptura com o amanhã.
Chega ao fim a novela interminável da desgraça que tudo inferniza. Não há esforço de restauração e recuperação da dignidade de ser simplesmente gente. Comemoro tal constatação com novos goles e gritos:
- Deus! Sem futuro lúcido, sem projeto para o hoje, sem sonho, sem objetivo, sem sentido, realmente estou morto e enterrado vivo por mim mesmo e pelos outros. Um único gole! Um gole cheio de desespero será tomado em homenagem à sociedade e sua solidariedade. Um brinde especial...À Morte.

Tempo de Escrever "Anápolis Centenária"

Aqueles olhos
Aquela boca
Aquela voz
Perseguiam-me há alguns anos
A existência de Ana...

Abriu o sorriso perfeito e estacou:
Uma sensação agradável de segurança invadiu-me.
Um tremor inesperado e irresistível
Sacudia meu coração em frangalhos:
Eis a presença poderosa do ato de escrever.

Disse quase inconscientemente que já a esperava
Ou esperava por aquele momento para encontrá-la.
Indeciso se continuava parado ou prosseguia,
E sempre instável e trôpego,
Senti medo desse imponente destino:
O de escrever incontrolavelmente.

Celebrei a tradição anapolina:
O medo de escrever abandonava-me.
Ao quebrar a minha mesmice de vida,
Quebrei também o silêncio estranho
De não ter coragem de mostrar
Idéias, sentimentos e valores humanos.

E na fome de redigir e poetar
A dor e a alegria se fundem
Um paradoxo de sorte e de sina
Saga de um filho pobre e nobre
Que ainda voa com as asas de antigos escritos
Renovados a todo instante
No centenário da cidade.

Sinto, vibro e registro a escrita ruminante,
Bebo lentamente num copo literário
Cheio de imprevisibilidades,
Os interessantes textos dos homens
Que atam e desmancham laços
Do inevitável encontro
Da inexplicável utopia
Na infindável fantasia
Desses anapolinos construtores.

E na ordem absoluta da linguagem
Há corações pulsantes
Mergulhados no caminho da poesia...
Arte, vida e prazeres de várias tramas,
Nexos imponderáveis de vida e morte,
Conflitos intensos dos poetas de Anápolis,
Simplesmente loucos pelo tempo de escrever.

DENEGAÇÃO - Publicado no livro "A viagem"

DENEGAÇÃO

Ora, acontece que vislumbro um estranho sorriso em meus lábios. Constato assombrada que opto por viver na ignorância, não quero saber do espelho. Assumo, sumo e sou sombra.
Meus nervos existenciais trepidam no áspero caminho do impossível encontro e revejo saudosamente o vir-a-ser que não se tornou. As reinvenções dos meus desejos afloram e não são percebidas por mim e por outras sombras que também correm nebulosas para o sepultamento da missão interior.
Minha face é a face da noite. Sou a graúna selvagem e triste que perfura as estrelas escuras que circulam as memórias individuais e coletivas.
Meus ouvidos estão atribulados com os sons inquietantes e constantes que estremeceram minha moldura especular abandonada há tempos. Um barulho ensurdecedor que dói, rói e destrói a serenidade e a esperança.
Inesperadamente, vi surgir um enigmático vulto que assanhou a minha curiosidade. Contemplei o vulto, achei-o lindo. Cautelosa, com medo de ser repreendida, respirei o seu hálito e senti que era denso, quente e tinha cheiro de deliciosa refeição.
Minha boca exilada, porém ávida de respostas, pergunta impaciente:
- Você é uma sombra?
- Naturalmente. - Ele me respondeu passando as mãos delicadas pelos longos cabelos.
- Você saiu do espelho? - Perguntei-lhe com crescente curiosidade.
- Que bobagem! Sempre estive aqui com você. - Acrescentou fitando-me com os olhos arregalados, roçando no meu rosto.
- Como assim? - Indaguei desajeitada e incerta diante dos seus braços envolventes.
- Essa é a nossa casa, já se esqueceu... - Disse sem estranheza, esperando que eu o abraçasse.
- Pensei que fosse uma sombra. - Balbuciei confusa, demorando aceitar a sua presença.
- Outra bobagem! Por que eu seria uma sombra? Eu só estava silencioso. - Falou com diabólica beleza.
- Quem é você? - Questionei agora com voz assustada, porém firme.
- Sou o que você construiu... - Murmurou sedutoramente.
- Você é uma sombra? - Perguntei gritando desesperada.
- Pode gritar, não há ninguém em casa - Disse-me sem piedade.
No torpor do desconhecido, meu olhar mendigo e ateu naufraga no silêncio de prisão e tortura do espelho contorcido e distorcido pelo eixo das sombras. São sensações vorazes e melancólicas que sacrificam a idéia imensa e intensa da alma estancada.
E ele acrescentou sinistramente:
- Sou a sua criatura...a recusa da realidade.