domingo, 13 de junho de 2010

LAÇOS (Contos de Amor e Desamor)

A viagem prossegue num ritmo incomum como sempre. Venho do interior de mim e vejo que a sua saída amarga torna-se evidente, apesar das nossas conversas, dos nossos olhares, dos nossos textos em comum e da minha súplica silenciosa... Você apenas sai e vai. Sem despedidas, sem laços.
Revejo ainda seu vulto magro, cabelos soltos e brilhantes, músculos bem delineados, olhos decididos e libertos. Ouço sua voz fresca e macia que pronuncia enigmaticamente:
- De alguma forma amo a quem já amei...
Na travessia do meu rio sem pontes, o seu amor não vacilou ao passar pelo canal estreito construído pelo meu desejo e desespero. No meu velho e invisível barco marcado de naufrágios, você desceu as escadas de ferro, alisou mais uma vez os meus poemas e disse-me:
Sei que sou o primeiro a mergulhar no seu rio...
Não consegui ouvir muito bem o restante da frase, um zumbido irritante apossou dos meus ouvidos. Apenas consegui balbuciar inseguramente:
- Ninguém vem até mim só para entretenimento e para exploração. A minha realidade é outra, já cuidei para que não ameacem e agridam o meu sorriso meio triste e o meu verso, ainda silencioso.
- É claro. Estou certo disso. - Disse-me sorrindo e retirando-se indiferentemente das minhas águas.
Durante a minha pequena viagem interna, isolada no meu lugar, temendo alguns ecos e encontros noturnos que já conhecera em outras viagens, decidi não conversar com ninguém. Nada queria ouvir, só queria sentir. E senti absurdamente a sua ausência.
Afobada e aborrecida, ainda quis culpar o acaso ou uma inspiração infeliz dizendo em voz alta:
- São pequenas memórias desvairadas que estreitam os meus vários lados... É só, e não estou só.
Exausta e absorta em meus pensamentos, imaginei que me adaptaria com relativa facilidade às novas situações da realidade sem a sua presença. Mero engano, transferi-me imediatamente para o seu mundo, não suportei a ausência de mim em mim mesma. Agarrei-me às fantasias que você costuma criar, e sem perceber, acabei impondo-as a mim. Agora tento reinventar o seu desejo, já aniquilei o meu. São sensações e circunstâncias recheadas de delírios, instabilidades e outras sombras sedutoras que entrelaçam os seus caminhos e estilhaçam os meus. E sofro, e dói...mas vivo.
Volto ao meu interior, ao meu antigo lugar. Entro e fico. Numa recusa pronta e ríspida, cegamente olho a paisagem através dos seus olhos e recordo o passado recente: a primeira e única pessoa a mergulhar nas minhas águas... Num gesto de defesa e fuga, reato os laços. Só vejo sonhos íntimos e selvagens, desvinculados da idéia de emancipação. É a viagem, é a via, é a única via...

Nenhum comentário:

Postar um comentário