sexta-feira, 25 de junho de 2010

TEMPO DE POLITICA - Memória dos Escritores de Anápolis

Num sempre tempo de crise econômica
E convulsões sociais
Entre as mãos de ninguém
Falta um lugar social e político
No território ‘‘glocal’’.
Contaminados pelo vírus financeiro
Vivemos a crise de humanidade
Numa mediocridade confortável
Uma crise que inspira, respira,
Transpira e aspira preocupação.
E na contenda dos incapazes, o colapso:
Encaramos como normalidade a paralisia da ética.
Não há os dentes de cordialidade:
Direitos e deveres para todos.
Só há o cofre de mistério e ministério
Só há o comodismo no marasmo do sempre igual
Prisão maior criada por nós mesmos.
É o porre financeiro
O consumismo irresponsável irracional
Severidade expressa na miséria maciça...
Traços de perversão e sordidez que animam
A violência demente da política predatória
E essa doença torna-se pandemia
Que acata e ataca o ser...
A sordidez e a morte cochilam em nós.
Emerge a crítica ácida
Grave grito na consciência cidadã
É o existente, o resto é falácia.
É o interceptar e o esmagar da impotência
É a democratização de oportunidades
O aço expresso em verbo: honestizar.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

NOTA DE DESFALECIMENTO - I Coletânea Século XXI

O Povo eleito e o Povo que se elege
Anuncia o desfalecimento da Ética
Diante dos caprichos inesgotáveis de alguns governantes
Residentes na bolha do sentimento individualista,
Arraigada no ego e na competição para o Ter.
Uns políticos inescrupulosos, parte decadente, e
Digeridos pela ganância são peças defeituosas do sistema
Que quantificam promessas absurdas e irrealizáveis
Que concretizam verbas fantasmas e manjares deliberados
Vestidos de colarinhos encardidos e rançosos.

E nessa ditadura dita branda ,
Carcaça vazia e seca, e ainda mal cheirosa,
Não exigimos mudança, Somos a Mudança!
Na astúcia de um povo acordado e ascendente
Abrimos o esquife da justiça, do respeito e do diálogo.
Sacudimos a dormência da democracia
Despertamos da anestesia os Poderes eleitos
E descobrimos que os direitos de cidadania
Não são frutos só de utopia.
A ética recupera o fôlego, não merece desmaios
E não perece de morte induzida.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Lançamento de Livro

Lançamento do Livro "Memórias dos Escritores da ULA" dia 24/06 no Teatro Municipal de Anáolis. Celebração dos 10 Anos da União Literária Anapolina. Compareçam.

domingo, 13 de junho de 2010

Herança Insana (Um Punhado de Poesia - Europa/Portugal)

Ainda no terceiro milênio
Muitos sonegam o socorro
Nos cafezais plantados nos arranha-céus
Infestados de miseráveis
Tanta gente
Retorce a morte
Contorce a vida
Nas folhas ressequidas
E nas raízes profundas da Mãe África
Escravidão arraigada...

Vivemos a mentira da justiça social
Desintegrados e desencantados com meio
Vivemos a falta dos traços de humanidade
Agoniza a dignidade
Extermina o emprego
Eclode o subemprego
Emerge o fantasma do desemprego
Instala-se o complexo de vira-latas
Escravidão desumana...

E no fiapo da história
É o mendigar indignado
Desnudo da cintura para baixo
Que trafega e trafica o lamento:
Desejo do inteiro e é só caco
Fingindo de vivo
Morrendo em espírito
Morte que não mata e não morre
Sobra perversa da natureza
O grito transforma-se em balbucio
Deu certo o erro
Persistente companheiro dos poderosos
Escravidão insana...

ESCRITOS ( Contos Fantásticos)

Desprezou a nódoa do passado e seguiu o luar esverdeado a fim de distorcer para ajustar os alicerces da vida miserável. Acreditando ser construtor e arquiteto, propõe-se a enfrentar as frases escritas a lápis no cantinho das folhas antigas, bem guardadas dentro do armário de mogno na sala de leitura.
Entardecia. Contava as folhas a serem vencidas. Cinco. Não demonstrava nenhuma ansiedade, só determinação. Uma estranha segurança diante do móvel embaçado e há tantos anos esquecido. Parou diante dos papéis, tocou-os com a mão esquerda e num gesto enigmático suspirou profundamente. A poeira e o mofo emprestavam aspecto de abandono e mistério às folhas encardidas. Não desistiu e nem se intimidou. Limpou-as bem.
Agarrou o precioso tesouro e percorreu com os olhos marejados toda a sala. Com intimidade, absorveu as paredes e os outros móveis há tanto tempo desprezados. Empurrou as imagens da janela e da porta semicerradas. Prontificou-se a ler as antigas frases. Acariciou os cabelos grisalhos, secou as lágrimas dos olhos serenos e esfregou as mãos aquecendo os dedos e a alma.
Escurecia. Num gesto decidido pega a primeira página e busca as anotações segredadas. Não as encontra. Num pavor súbito, vasculha apressada, e depois lentamente, todos os papéis e constata: não há nada. Aperta as folhas entre os dedos, agora gélidos, e seus olhos encheram-se de decepção e arrependimento.
As sensações foram logo substituídas por uma outra mais intensa: o medo. Mal se refez da surpresa, quando ouviu uma voz familiar dizendo:
Mudei de lugar e de nome outra vez.
Não pode ser. Você de novo?
Sim. E afinal você veio. Estava à sua espera.
Pra quê?
Nada.
- Como nada? – Reclamou estarrecido com a resposta - Por que se preocupa em criar enigmas e disfarces para perseguir-me?
- Antes que faça outras perguntas, como é o seu hábito, já vou dizendo que sou único, não uso máscaras. E, além do mais, como poderia lhe perseguir, se você não se desgruda de mim? Você sempre surge em mim.
- Eu? Grudado em você? Está louco? Onde estão as minhas anotações? Devolva-as, imediatamente. – Gritou o infeliz.
Não posso. – Disse calmamente.
Pode sim, você não quer devolvê-las. – Berrou desesperado.
Atirou-se sobre o incômodo ser que parecia divertir-se com seu desespero. Nada encontrou. Ninguém. Não tinha corpo, mas estava lá. Alguém. Sem saber o que fazer, se recorda da janela e da porta entreabertas e tenta sair daquele lugar sufocante. Estão cerradas. Vidro, madeira, ferro e grades estreitíssimas e pontiagudas.
Amanhecia. Impotente e melancólico, ele olha através da janela e vê, bem próximas à vidraça, as suas folhas escritas sendo espalhadas lentamente pela brisa fresca da manhã.

TEMPONOSSAURO REX - Bienal Internacional de Minas Gerais - maio 2010

O sem cessar do tic tac condiciona a vida.
Não vivemos somos vividos.
O homem, escravo e senhor do tempo,
Não muda, só cronometra mudanças
Registra memórias e teme a fugacidade.

O tempo, transformador e construtor,
Cede lugar a vivências passageiras
Promove esquecimentos e traz experiências
É o nosso legado de oportunidades e escolhas
Nos movimentos díspares e singulares.

Na face de deus Chronos, devorador das coisas,
Torna-se implacável: destruidor, consumidor, controlador
O tempo novo engole, traga o tempo desgastado.
E a transitoriedade, medo e anseio humano,
Devora, rumina e digere o devir.

Mas esse divisor de momentos da eternidade
É também o provedor de possibilidades
O criador, o renovador e o ciclicador das coisas
Faz dos nossos erros oportunidades, aprendizagens
Consome tristezas e é o Guardião do Amor.

A essência do tempo não está nas horas gastas
E sim no prazer do momento, no congelar do relógio,
Pois velhice não degenera o homem, só regenera
Empresta um segmento de identidade
Já que não suportamos o peso da eternidade.

PRECISA-SE DE LOUCOS (Primeiro Lugar-Concurso Madio Editorial) junho 2010

No paradoxo da insânia e da razão
Chega de viver nas sombras da sanidade
Basta de esgueirar-se no anonimato
Agora é Ser o louco da vez
E não resistir a loucura que arrebata:
Precisa-se de Loucos

Pelado e sujo de sangue
Vejo a invencível contradição: lucidez e insanidade
Aparente decrepitude que não tem prevenção
Só tem impulsão sob a proteção da sensatez
E nessa combinação alquímica
O anormal intriga, implode em câmera lenta,
No único lugar em comum:
O hospício infindável do sem lugar, do nenhum lugar


Cabe aos loucos salvar os lúcidos
Privar do sanatório da normalidade
Loucura doentia que escraviza e esvazia
Julgar e esquecer que é julgado
Reprimir o vazio que gera a doença da alma
Encontrar sua definição de loucura já não basta
Enlouquecer o Outro é capturar a sanidade.

SÓ MEDO - Antologia Premiada Livre Escrita SP

Viver pela metade: Medo de ter medo.
É a ditadura psicológica, o nunca ser livre,
São situações intimidadoras, repressoras e traumáticas.
Nossa algema cerebral... Angústias...
Rastros do medo.

Agorafobia: Desfragmentação brutal do Ser,
Fantasma destruidor que reprime e excita,
Perigos reais e imaginários, vontades presas na mente,
Vulneráveis ao desconhecido nas inúmeras faces do existir...
Amarras do medo.

Voz silenciosa no cérebro, postura da vítima no castigo,
Provoca secamento da boca, inquietação cardíaca,
Desencadeia a treva do quanto e/ou do quarto.
O monstro do armário, a doida da rua,
O homem do saco, a mulher da vassoura,
O ladrão assassino,
O traficante sem piedade,
O colarinho branco,
Seres da insegurança e do terror,
Sinônimos do medo no estreito labirinto da vida.
O escuro preenche o todo: Medo e medo.
Overdose de medo.

O Senhor Medo constrói deuses, doma pessoas,
Dita o bélico na insegurança, realiza histórias,
Ensina a acovardar e impor, conhecer e julgar,
No paradoxo medocoragem coragemedo.
E assim permanece a sociedade regada por medo...
Medo e só medo.

FLAGELO (Antologia Poesia Contemporânea/14 poetas)

Na Ditadura do corpo
Há uma tropa esquelética a caminho
A fim de apagar partes de nós mesmos
É a troca do natural pelo superficial
É a troça dos irresponsáveis fascinados por monstruosidades

Impera o plastificar, o siliconizar dos seres humanos
Modelo de beleza impregnado fabricado com código de barra
Prevalece o discurso distorcido no imaginário da população
Bizarrices poderosas vencem o bom senso

E na implicância com o que ou quem Somos
Acham belo o feio, fanatismo da indústria,
São os olhos para fora e a cegueira para dentro
Exigem padrões de forma ideal (ou irreal)
É a intolerância ao incomum, às diferenças naturais

E no açougue das identidades (já não basta a mente)
Sofremos intervenções estéticas e de caráter doentio
Aceitamos a insanidade da vigilância e da artificialidade corporal
Agimos na inflexibilidade imposta pelos tops de beleza
Andrógenos vestidos de padrão flagelam-se...

E na patologia da descaracterização
Da desindividualização e da perda identitária
O espelho reflete e refrata a escravidão
Aniquila a ardência de ser livre.

SORRIR SÓ (Antologia Poesia Contemporânea 14 poetas )

Nos meus lábios um poema
Um sorriso de Sol
Numa reticência exigente e louca
Da gostosa fragrância da sua saliva
Sabores paradoxais
Meu corpo é teu por desejo
Não há como fugir dos seus enigmas
É o tencionar do amor e da posse
Artimanhas do sofrer
Arrepio lento e quente

No beijo épico
O amargo gosto do gostar
Num suave sorriso de resignação
Ao empreender a travessia
No amanhã incerto e vazio
O sobreviver a uma guerra de amor
Para apenas morrer de solidão
Para presentear o outro com a solidão
Solidão a dois
Sofrida Solidão Sentida
Cada ser com sua eterna solidão
Havia um sorriso solitário
No sorriso de ser sempre só.

SUSSURRO ( Antologia Poesia Contemporânea 14 poetas)

Somos náufragos agarrados à efêmera vida humana
Um sopro separa a infância e a velhice
Somos um punhado de barro a ser moldado
Árvores arqueadas, vidas envergadas
Na tentativa de viver como se a terra fosse céu
Pouco resiste a dissolução do tempo
Cheiro de eternidade
Dor para abrir a tolerância
Amor para lapidar o Ser

Na sensatez, a filha do silêncio,
Queremos sentir as fragrâncias do eterno
E no mistério da transcendência
Temos o frescor dos sedentos
Sonhamos os sonhos que a alma cultiva
Canções que as crianças embalam
Gratuidade da natureza nas flores
Amor com indefinível intensidade
Louvores e renúncias na alameda da vida

No tempo de inconsistência
Peso da carne, leveza do espírito
A vida já não teme a morte
É viajar para dentro de ser serenidade
Exercício de paciência e caridade
Há anos que não valem um dia
Viajei na mesma idade inúmeras vezes...
O silêncio do ar, o silêncio da morte
Um doce e gracioso sussurro de Deus.

RETORNO (Contos Além da Imaginação)

Há luminosidade demais nesse estranho lugar e eles ofuscam a minha concepção de universo. O chão está instável e oscila como as doloridas sensações do meu cérebro. Apesar do medo, preciso enxergar e apenas vejo a terra amarela e molhada, as rosas brancas murchas, a pá e as lágrimas quentes como meu hálito e soluços sufocados.
Há sol ardente nessa triste tarde e ele não seca a densa água que insiste em brotar na minha face fria. Essa umidade faz meus olhos rasos e fixos no momento de só-ida e sem-volta. Ai, como dói a dor do ir e não ver e vir jamais... Um doído intenso. Uma angústia latejante diante da resposta para as perguntas “Onde está você?” e “E eu?”
Sinto uma estranha surpresa ao perceber que existem pessoas a minha volta e elas também choram impotentes diante da pesada laje de cimento e as leves flores atiradas sobre ela.
As imagens agora se distorcem e circulam o meu corpo de maneira absurdamente rápida. As cores das roupas e das flores misturam-se e não sei exatamente identificar os objetos que me circundam, só sei que esse louco movimento traz frescor e alívio. Vejo você e você... Olhos perspicazes, irreverência constante, senso de justiça aguçado, semblante sereno e amabilidade constante. Posso sentir o seu corpo firme ao meu lado, as mãos macias , o beijo doce, o toque suave, o cheiro adocicado e os passos determinados.
Não há mais luz intensa, só há lucidez. Mergulhados um no outro caminhamos decididos por entre os estreitos jardins e pequenas casas vizinhas à sua. Conversamos sobre as bobagens, as instabilidades e os absurdos do nosso antigo mundo intangível : Vida e morte.
Límpida é a sua voz quando fala dos assuntos complexos dos seres humanos como o amor e o luto, efemeridade do sentimento e da vida. Você tranqüilamente diz:
_ Querida, são apenas faltas e ausências... Você já sabe.
Não há lágrimas nos meus olhos, só há a boca entreaberta que bebe as palavras doces e conhecidas. E antes mesmo que eu possa engoli-las, você se afasta deslizando suavemente pelos caminhos percorridos por nós dois. Olha em minha direção, sorri e acena um breve adeus.
Não há nitidez nas imagens e na minha débil mente, o redemoinho colorido volta e arrasta-me para o sol escaldante e para o burburinho das pessoas. O barulho de vozes confusas e dos gemidos cansados mostra a saída. Hesito em segui-los, pois preciso encontrar você. Avanço alguns passos e sinto a umidade nos sapatos. Retorno. É a terra amarela e molhada. Pá. Tijolos. Cimento... Ergo a pequena parede que impede momentaneamente o nosso encontro.
Não há o ar que respiro, mas há o seu sopro de vida em mim. Sigo seus laços e passos. Caminhemos... Caminhemos, pois ainda não atirei a minha rosa branca sobre a laje.

ERROS (BIENAL INTERNACIONAL DE MINAS GERAI S) MAIO DE 2010

Nas centenas de vozes e de vezes
Das guerras marcadas na alma
Sinto a mesma tristeza que paralisa
É a dura rotina de privações
Nos antigos apetrechos da angústia
O silêncio do mesmo preparo de amar.

Num tempo qualquer
Exumado de mim mesmo
Lembro-me dos beijos que mortificam
Assombro diante do encantamento
E apenas um beijo aguarda o desfecho
Na peregrinação dos sentimentos
Estoque inesgotável de fantasia.

No ser que repousa no Nada
Bóiam dores na passagem deixada no corpo
Maldita dor do amor e do desamor
No meu lugar cativo: Solidão
E sem nenhuma garantia do amanhã
Vivo a maquiar um não esquecer
Escondido na lascívia.

Com olhos emprestados pelos débeis
Alimento um amor fragmentado em tentos
Um amar de pouco tempero
Facilito o seu corpo e complico a minha alma
Pois nem tudo que é permitido é cumprido
E nem todos os erros são para aprender.

CIÚME Bienal Internacional de Minas Gerais - maio 2010

Na prisão das relações reside o demônio do ciúme
Monstro escondido em cada um de nós
Tormento incessante, atitude opressora do vigiar.
No meu medo disfarçado em amor
Vacilo entre aliviar ou alimentar o mal estar da dúvida.
Sinto que o meu amor cega e o meu ciúme vê coisas inexistentes
E no meio termo entre paixão e ódio desse padecer infernal
Ultrapasso a esfera da dúvida e da insegurança.
Esse assassino do amor emerge
Desgastante, dominador, corrosivo
Destrói a minha débil ordem e o meu frágil equilíbrio
E nessa irracionalidade
Consumido e ensandecido pelo ciúme
Sinto um delírio sufocante...
Desejo extirpar a perda do objeto amado
É o afiar do mesmo mecanismo de controle
É a dilaceração pela eterna posse
Minutos latejantes e insuportáveis.

PASSAGEM ROUBADA (Minirrevista Literária Contando e Poetizando/ Diálogos)

Vê...
Eis que no poema perdido descobri
Seu castelo num céu translúcido e ambivalente
Que esconde o noivo do Sol e a nuvem flutuante.
Pense...
Eis que no poema perdido percebi
Um coração dividido com asas de borboleta
Que corre, foge e se oculta na incerteza.
Sinta...
Eis que no poema perdido escrevi
Palavras clandestinas, desaparecidas e roubadas
Que calam, sorriem e ficam na instabilidade.
Espera...
Eis que no poema perdido despi
O seu porte e aspecto transfigurado
São lágrimas mornas num mar amoroso.
Crê...
Eis que no poema perdido libertei
O calabouço do beijo inacabado e confuso
São silêncios inquietantes e questionadores.
Recorde...
Eis que no poema perdido partilhei
As dolências da pedra colorida e do delicado lírio
São prelúdios de abertura e desejo.
Ouça...
Eis que no poema perdido pronunciei
Vozes, murmúrios e gemidos
São profundas ondas nas águas adormecidas.
Inflame...
Eis que no poema perdido nasci
Do lamento, do tormento e da partida
O Sol não levou, eu fui na sua permanência.
Desconstrua...
Eis que, no poema perdido desarticulei
O pensamento, a meditação e o ensaio
São lócus do sofrimento e da existência.
Banhe...
Eis que no poema perdido desapareci
E ainda permanece o fantasma do não
São ressonâncias e inconscientes.
Fecunde...
Eis que no poema perdido renasci
No entendimento, no encontro, no insólito
São as voltas breves para um retorno indeterminado.

LAÇOS (Contos de Amor e Desamor)

A viagem prossegue num ritmo incomum como sempre. Venho do interior de mim e vejo que a sua saída amarga torna-se evidente, apesar das nossas conversas, dos nossos olhares, dos nossos textos em comum e da minha súplica silenciosa... Você apenas sai e vai. Sem despedidas, sem laços.
Revejo ainda seu vulto magro, cabelos soltos e brilhantes, músculos bem delineados, olhos decididos e libertos. Ouço sua voz fresca e macia que pronuncia enigmaticamente:
- De alguma forma amo a quem já amei...
Na travessia do meu rio sem pontes, o seu amor não vacilou ao passar pelo canal estreito construído pelo meu desejo e desespero. No meu velho e invisível barco marcado de naufrágios, você desceu as escadas de ferro, alisou mais uma vez os meus poemas e disse-me:
Sei que sou o primeiro a mergulhar no seu rio...
Não consegui ouvir muito bem o restante da frase, um zumbido irritante apossou dos meus ouvidos. Apenas consegui balbuciar inseguramente:
- Ninguém vem até mim só para entretenimento e para exploração. A minha realidade é outra, já cuidei para que não ameacem e agridam o meu sorriso meio triste e o meu verso, ainda silencioso.
- É claro. Estou certo disso. - Disse-me sorrindo e retirando-se indiferentemente das minhas águas.
Durante a minha pequena viagem interna, isolada no meu lugar, temendo alguns ecos e encontros noturnos que já conhecera em outras viagens, decidi não conversar com ninguém. Nada queria ouvir, só queria sentir. E senti absurdamente a sua ausência.
Afobada e aborrecida, ainda quis culpar o acaso ou uma inspiração infeliz dizendo em voz alta:
- São pequenas memórias desvairadas que estreitam os meus vários lados... É só, e não estou só.
Exausta e absorta em meus pensamentos, imaginei que me adaptaria com relativa facilidade às novas situações da realidade sem a sua presença. Mero engano, transferi-me imediatamente para o seu mundo, não suportei a ausência de mim em mim mesma. Agarrei-me às fantasias que você costuma criar, e sem perceber, acabei impondo-as a mim. Agora tento reinventar o seu desejo, já aniquilei o meu. São sensações e circunstâncias recheadas de delírios, instabilidades e outras sombras sedutoras que entrelaçam os seus caminhos e estilhaçam os meus. E sofro, e dói...mas vivo.
Volto ao meu interior, ao meu antigo lugar. Entro e fico. Numa recusa pronta e ríspida, cegamente olho a paisagem através dos seus olhos e recordo o passado recente: a primeira e única pessoa a mergulhar nas minhas águas... Num gesto de defesa e fuga, reato os laços. Só vejo sonhos íntimos e selvagens, desvinculados da idéia de emancipação. É a viagem, é a via, é a única via...

ANJO ANUNCIADOR (Minirrevista Literária Contando e Poetizando/ Diálogos)

Escrevo a sangue
Para que você chore ou ria.
A sombra caiu sobre a floresta
E as fantasias de minha alma
Escutam o som da solidão.
Nesse momento dentro de mim
Há o deus e o demônio
O paradoxo do ser:
A reinvenção do kamikaze sem causa...
O prazer foge e o inferno se aproxima.
Perdi a coragem de ser e viver
No vazio da vida não ouço a voz da amplitude
Amarga é a língua que bebi
Torturante a dor gemida que senti...
E sinto...
É absurdo o pânico e o eu impotente:
Quem sou?...
O anjo sedutor de outrora é agora
O anjo de asas quebradas
Anunciador do sofrimento: a dor do que sou
Ou não sou no Outro.
Pavor de sobrevivente: Não sou...
No labirinto dos dias
Nunca mais a espera
Nunca mais a esperança...

MENINO POEMA (Folhetim ULA - Livro Retrato 4 X 4)

Gosto indizível de menino pensativo
Que vive só de viver
Que derrete a adolescência
E reinventa a velha voz
Nas novas maneiras de sentir
O estar e o pulsar dentro das letras.

Na incerteza da história
Feliz com a mentira
No mundo do esconde-esconde
Escala as tranças da literatura
Exala a fragrância do verbo
Areando os dentes da linguagem
Na lógica da contradição
No resgate da unidade perdida.

Num cheiro de terra molhada
Do sabor de chuva salgada
Ouve a goteira na lata
Abre mão do seu silêncio
Vozes inaudíveis
Na vontade de eclodir na frase bifurcada
Na loucura mansa pelo texto humano
Tão recheado de construções imaginárias
Com cheiros e sabores de signos.

É o desmanchar-se em leituras
É a alma de escrituras
É a língua descarnada e concisa
É a risada escancarada da poesia
Predadora do poema menino.

BEIJO ÁCIDO - Um Punhado de Poesias - Europa/Portugal)

Encolho-me num canto
E encantoado
A saudade permanece
Cúmplice na infelicidade e
Enfrento a difícil tristeza:

É a blindagem do medo
É o balaço do amar
É o beijo colhido tarde demais.

E no despedaçado do beijo
Aniquilador de momentos
Demolidor de fantasias
Sou o enervante compasso
Das dores absolutas:

É a fuga da sanidade
É a desistência da fantasia
É o beijo interrompido cedo demais.

Não há encontros, só desencontros
O nome da jóia beijada era
Cabelos amendoados
Torturador de dores e amores
A responder acidamente:

É o beijo proibido de beijar
É o beijo engolido por outros beijos
É o beijo a salivar na própria língua