quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Retorno - (Livro A Viagem) 2005

Há luminosidade demais nesse estranho lugar e eles ofuscam a minha concepção de universo. O chão está instável e oscila como as doloridas sensações do meu cérebro. Apesar do medo, preciso enxergar e apenas vejo a terra amarela e molhada, as rosas brancas murchas, a pá e as lágrimas quentes como meu hálito e soluços sufocados.
Há sol ardente nessa triste tarde e ele não seca a densa água que insiste em brotar na minha face fria. Essa umidade faz meus olhos rasos e fixos no momento de só-ida e sem-volta. Ai, como dói a dor do ir e não ver e vir jamais... Um doído intenso. Uma angústia latejante diante da resposta para as perguntas “Onde está você?” e “E eu?”
Sinto uma estranha surpresa ao perceber que existem pessoas a minha volta e elas também choram impotentes diante da pesada laje de cimento e as leves flores atiradas sobre ela.
As imagens agora se distorcem e circulam o meu corpo de maneira absurdamente rápida. As cores das roupas e das flores misturam-se e não sei exatamente identificar os objetos que me circundam, só sei que esse louco movimento traz frescor e alívio. Vejo você e você... Olhos perspicazes, irreverência constante, senso de justiça aguçado, semblante sereno e amabilidade constante. Posso sentir o seu corpo firme ao meu lado, as mãos macias , o beijo doce, o toque suave, o cheiro adocicado e os passos determinados.
Não há mais luz intensa, só há lucidez. Mergulhados um no outro caminhamos decididos por entre os estreitos jardins e pequenas casas vizinhas à sua. Conversamos sobre as bobagens, as instabilidades e os absurdos do nosso antigo mundo intangível : Vida e morte.
Límpida é a sua voz quando fala dos assuntos complexos dos seres humanos como o amor e o luto, efemeridade do sentimento e da vida. Você tranqüilamente diz:
_ Querida, são apenas faltas e ausências... Você já sabe.
Não há lágrimas nos meus olhos, só há a boca entreaberta que bebe as palavras doces e conhecidas. E antes mesmo que eu possa engoli-las, você se afasta deslizando suavemente pelos caminhos percorridos por nós dois. Olha em minha direção, sorri e acena um breve adeus.
Não há nitidez nas imagens e na minha débil mente, o redemoinho colorido volta e arrasta-me para o sol escaldante e para o burburinho das pessoas. O barulho de vozes confusas e dos gemidos cansados mostra a saída. Hesito em segui-los, pois preciso encontrar você. Avanço alguns passos e sinto a umidade nos sapatos. Retorno. É a terra amarela e molhada. Pá. Tijolos. Cimento... Ergo a pequena parede que impede momentaneamente o nosso encontro.
Não há o ar que respiro, mas há o seu sopro de vida em mim. Sigo seus laços e passos. Caminhemos... Caminhemos, pois ainda não atirei a minha rosa branca sobre a laje.

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