quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Borboleta (Livro Retrato 4x4) 2009

Numa imagem kafkaniana, vejo o Eu inseto sempre transfigurado com um diferente olhar e o mesmo silêncio. Não é o demônio que se instalou na minha história, é a minha desertificação da condição humana, negra e impiedosa que se manifesta.
Falta-me um corpo feminino e o único soma que resta está recheado de monólogos que tecem fios ensangüentados e doentios do meu desejo de transfigurar. Minha boca distorcida em gritos e minhas retinas saltitantes foram sugadas pelo temporal do nada.
É a criança do medo e do fantasma que foi doada aos seus perseguidores e devedores.
É o tecer de memórias e estórias transformadas em degeneração solitária que acaricia minhas asas e meu insignificante invólucro.
Revivo uma estranha época de pessimismo crônico que não reconhece o hoje e não celebra o amanhã. Uma peça trágica que me esconde nas paredes da ilusão e trancafia-me no negro e impiedoso inferno sussurrando: mate-se!
Fecho as janelas da alma e as constantes gotículas úmidas já não mais lubrificam os meus olhos. Vivo um basta muito especial nessa noite diferente de outras já passadas ao lado da morte. Estou sem voz e sem espaço, é o falso combustível da vida humana que nos obriga a cair na imensidão do abismo. Uma mísera vida a sofrer e constantemente representar as tragédias alheias, num interpretar de papéis que fogem sem saber para aonde ir e morrem no prazer da dor de co-existir.
Previsivelmente, recebo um convite inebriante para o refrigério, o bálsamo: o espaço sem explicação. Sinto a sua presença e o toque de seus dedos frios e decididos em meus braços, a voz que queima em mim, coze percursos rubros, diferente dos cânones já vistos. Alguém que abre caminho na maciez da nuvem incolor, num tapete de linho branco registrando por escrito os sonhos esquecidos e tecidos nas reminiscências das crianças sobreviventes do medo, mas que nunca desencantaram da ternura e não desistiram das cinzas sempre revividas na natureza humana.

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