terça-feira, 22 de março de 2011

Concurso Internacional - Noturno - 2 lugar (conto) e 3 lugar (poema)

DENEGAÇÃO




Ora, acontece que vislumbro um estranho sorriso em meus lábios. Constato assombrada que opto por viver na ignorância, não quero saber do espelho. Assumo, sumo e sou sombra.
Meus nervos existenciais trepidam no áspero caminho do impossível encontro e revejo saudosamente o vir-a-ser que não se tornou. As reinvenções dos meus desejos afloram e não são percebidas por mim e por outras sombras que também correm nebulosas para o sepultamento da missão interior.
Minha face é a face da noite. Sou a graúna selvagem e triste que perfura as estrelas escuras que circulam as memórias individuais e coletivas.
Meus ouvidos estão atribulados com os sons inquietantes e constantes que estremeceram minha moldura especular abandonada há tempos. Um barulho ensurdecedor que dói, rói e destrói a serenidade e a esperança.
Inesperadamente, vi surgir um enigmático vulto que assanhou a minha curiosidade. Contemplei o vulto, achei-o lindo. Cautelosa, com medo de ser repreendida, respirei o seu hálito e senti que era denso, quente e tinha cheiro de deliciosa refeição.
Minha boca exilada, porém ávida de respostas, pergunta impaciente:
- Você é uma sombra?
- Naturalmente. - Ele me respondeu passando as mãos delicadas pelos longos cabelos.
- Você saiu do espelho? - Perguntei-lhe com crescente curiosidade.
- Que bobagem! Sempre estive aqui com você. - Acrescentou fitando-me com os olhos arregalados, roçando no meu rosto.
- Como assim? - Indaguei desajeitada e incerta diante dos seus braços envolventes.
- Essa é a nossa casa, já se esqueceu... - Disse sem estranheza, esperando que eu o abraçasse.
- Pensei que fosse uma sombra. - Balbuciei confusa, demorando aceitar a sua presença.
- Outra bobagem! Por que eu seria uma sombra? Eu só estava silencioso. - Falou com diabólica beleza.
- Quem é você? - Questionei agora com voz assustada, porém firme.
- Sou o que você construiu... - Murmurou sedutoramente.
- Você é uma sombra? - Perguntei gritando desesperada.
- Pode gritar, não há ninguém em casa - Disse-me sem piedade.
No torpor do desconhecido, meu olhar mendigo e ateu naufraga no silêncio de prisão e tortura do espelho contorcido e distorcido pelo eixo das sombras. São sensações vorazes e melancólicas que sacrificam a idéia imensa e intensa da alma estancada.
E ele acrescentou sinistramente:
- Sou a sua criatura...a recusa da realidade.

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