quinta-feira, 21 de julho de 2011

Lançamento livro Reconto com Contos - 23/07/2011 Anápolis em Letras, Fatos e Imagens

Capa lindíssima de Rondinelli Linhares de Oliveira: Minha homenagem e agradecimentos a esse maravilhoso artista.

28 contos -

CREPÚSCULO


Adormeci em soluços. Uma teimosa lágrima registra o arrependimento amargo pela decisão tomada. Arrancado de mim; obriguei-me a negar o que mais queria. Impõe-se a proibição e nega-se a transgressão. É só agressão. Eterno silêncio e sussurro na viração da vida.
Nos meus cinquenta, vividos bem distantes dos riscos e emancipações, fui surpreendido por um imprevisível sentimento, insaciável como a morte. Olhei-me também "interiormente: não sou mais previsibilidade. Não consigo acreditar: ao meio-dia da vida não se pode mais amar um único alguém. Se se morre de amor...
Nesse momento imóvel, emerge o drama de dentro do corpo no profundo da alma. Não sei se destruo ou edifico esse projeto de passeio sem fim. Na débil voz da razão, vomito uma queixa abafada por dentro há anos: ser consumido por tédio, conformismo e invisibilização.
Aquela pequenina gota salgada denota o meu arrependimento por não responder ao gritar das emoções desconhecidas, por não decidir a favor do desejo do corpo e por não saborear o imprevisível.
Obriguei-me a negar o que tenho registrado num livro sereno e transparente: seu discurso, seu frescor e sua doçura. É a imposição do proibido.
Diante de tão forte estrangulamento admito que ainda tenho comigo o medo do desmaiar da noite: túnel secreto para a transgressão. E nesse breve escapulir da escuridão, sinto que minha boca ainda está molhada, o seu suor penetra em minhas carnes e encontro novamente o caminho para os seus ecos. Meus desejos presos e pendurados na sala opressora deixam-se ficar na mão do inconsciente. Estranho deixar-se possuir nunca deixando e nem sempre possuindo... Um não possuir e um não posso ir.
Agonizo diante da conhecida mão da violência que retorna e destrói o meu delírio de ser vivente, de sentir o outro e ser o nós. Vida ida e sofrida. Vida decidida e punida. Vida agredida e virada. É só desestrutura e despedida no crepúsculo de alguém que apenas deseja ser feliz.


RASGOS DE MEMÓRIA




Um filme valioso de quase cem anos. É isso que Sou! Um quase centenário de experiências incríveis. Olhar aguçado, cérebro de criança, corpo envergado e resistentes cabelos brancos.
Rasgos de esquecimento assolam a minha memória aos domingos e as ideias vacilantes insistem em gerar diversão no encontro familiar. São inúmeras criaturinhas falando alto e se movimentando de maneira rápida demais. Nesse turbilhão, esqueço nomes, atrapalho-me na classificação de netos, bisnetos e tataranetos. Alguns dos meus bisnetos trocam seus nomes ou inventam outros estranhos a fim de me confundir. E da minha confusão brotam olhares furtivos, risos discretos e lindas gargalhadas.
E nesse paradoxo da chegada e da despedida familiar fico ensimesmado nos meus rasgos de esquecer para lembrar o esquecido

CALEIDOSCÓPIO


A porta some. Um buraco no espelho mostra nitidamente: envelheço.
Não estou mais na beirada da manhã e nem sou mais o errante guerreiro portador do anel de esmeraldas que navega e naufraga nas águas da vida.
Preciso retirar com urgência um texto dos neurônios para aconchegar os meus sonhos da idade madura. Outrora tive um poema, mas já faz tempo, muito tempo.
Vasculho no chão da mente a imensidão da memória e celebro: faço o que sou.
Sou inúmeras máscaras que vão chamando outras máscaras que existem dentro dos homens e das coisas. E sendo o que sou, sei que o ser não se cumpre sem espiar a própria sombra escondida atrás da persona que agora apresento e represento.
Engulo deliciosos vinhos caleidoscópicos que exalam palavras companheiras e embrulham com ternura o meu brinquedo de escrever: é brincar de viver.
Não sei mais ser o que fui, e assim na incessante busca de respostas para saber o que sou, fabrico o que não sei e não compreendo: é mito e minto. Com os palpitantes punhais da alma e da poesia, aprendo a conhecer-me e a curar-me.

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